Folha de S. Paulo


André Perfeito: O real ajuste da Selic

O diagnóstico era praticamente unânime e nove entre dez economistas no mercado insistiram em dizer que o baixo crescimento dos últimos anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff era decorrente de uma combinação desastrosa de incentivos fiscais equivocados –o que deteriorou o caixa do Tesouro– e leniência tarifária que criou um represamento sistemático nos preços administrados obstruindo de vez o canal das expectativas inflacionárias.

O receituário para sair do imbróglio econômico, para estes economistas, era de uma simplicidade franciscana: bastava recompor as alíquotas dos impostos para as antigas calibragens e liberar que os preços administrados flutuem de maneira livre. Se antes o governo absorvia parte da alta de alguns preços (como foi o caso da energia elétrica) agora estes repasses são canalizados diretamente para os bolsos dos cidadãos, tudo em nome da correta sinalização de preços ao mercado.

Pois bem, os incentivos fiscais foram retirados e os preços administrados foram soltos. Não precisa ser economista formado para saber que numa situação onde a economia já apresentava sinais de fadiga cortar gastos e subir preços tem um único resultado possível que é mais desaceleração econômica.

Não entendo o espanto das pessoas com números piores de atividade ou de emprego. Em nome da moral e dos bons costumes econômicos estamos entregando numa bandeja de prata o PIB deste ano para ser queimado no altar do senso comum.

Em primeiro lugar um ajuste fiscal pode sim melhorar a percepção de risco do país e fazer com que os juros longos caiam, mas achar que juros longos menores irão fazer - ato contínuo - subir os investimentos é de uma ingenuidade atroz. O empresário não investe porque os juros são baixos, mas porque a demanda por seus produtos está elevada. Outro erro é que o canal das expectativas estava bloqueado e que era só "limpar o cano" liberando todos os reajustes que as expectativas iriam cair. Qual o que? Liberaram os administrados e o resultado foi uma elevação ainda maior da inflação esperada!

O país segue em transe sem perceber o verdadeiro nome do jogo. Todo mundo queira um ajuste, mas esqueceram de avisar que o ajuste será no salário real de todos. Uma vez que os preços administrados estão em alta somente a queda dos preços livres poderá contrapor ao realismo tarifário.

O Copom irá subir a Selic para pelo menos 13% esse ano e estamos conversados. O Copom mira nas expectativas que não cedem porque o mercado não acredita que é para valer o ajuste apesar das evidências (me pergunto como se pode ajustar uma máquina que não acredita no ajuste).

Um país que tem um salário mínimo de US$ 300,00 e que pode considerar extremamente rico quem tem uma renda familiar de R$ 9.920,00 falar em diminuir o salário real soa um tanto fora do lugar, mas é isso mesmo que estamos fazendo. Não se espante se piorar ainda mais, o desemprego tem que subir ainda um pouco mais para segurar os salários. "E la nave va".

ANDRÉ PERFEITO é economista-chefe da Gradual Investimentos

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: