Folha de S. Paulo


Lulie Macedo: O paradoxo do 'pau de selfie'

Quando cunhou a expressão "década do eu" para definir os anos 1970 nos EUA, o escritor Tom Wolfe não imaginava que, 40 anos depois, a febre global do "pau de selfie" colocaria o individualismo daquela geração no chinelo.

Para quem ainda consegue ignorar: "selfie stick", que em português ganhou essa genial tradução, descreve um bastão extensor que acomoda, em sua extremidade, um smartphone ou câmera fotográfica. Serve para ampliar o enquadramento de autorretratos –ou selfies.

Poderia ser mais um acessório tecnológico banal, mas ganhou vida própria. Listado como uma das melhores invenções de 2014 pela revista "Time", protagonista de metade das chacotas postadas na internet e objeto de extensas reportagens e análises, o "pau de selfie" é o gadget mais falado, usado, discutido e ridicularizado da vida real e digital.

Chamado de "pochete tecnológica" por sua suposta cafonice, ou de "narcisstick", algo como "bastão narcísico", o acessório já foi debatido por seus efeitos no turismo (viajantes já obcecados por registrar a própria imagem agora o fariam de maneira mais explícita e às vezes desrespeitosa, com o bastão esticado na cara de alguém), nas relações sociais (seria o fim do "tira uma foto pra mim?"), na psique coletiva (estaríamos levando o narcisismo às últimas consequências) e, por fim, na segurança pública (seu uso foi proibido em estádios de futebol no Reino Unido e no Ceará).

De tão controverso tornou-se popular ou de tão popular tornou-se controverso?

Arrisco outra hipótese. O que o bastão trouxe de novo, já que selfies povoam o mundo há algum tempo, foi escancarar nossa vaidade e permanente necessidade de aprovação. É mais difícil ficar indiferente ao ato de empunhar uma vareta do que ao simples "autoclique" com o celular.

O estardalhaço da cena incomoda não só porque "é ridícula", como resumem os críticos, mas talvez porque nos lembre de nossa própria carência de admiração, atenção, pertencimento.

E não adianta dizer "comigo não". Do prêmio Nobel ao "like" no Instagram, é a busca por reconhecimento que move a maior parte de nossas conquistas.

Há maneiras muito distintas de fazê-lo, é verdade. Mas seria ingenuidade (ou hipocrisia) achar que só aquele fulano sorridente a disparar flashes sobre si mesmo quer ser querido, validado pelos outros.

As distorções que levaram à exacerbação desse sentimento são outro capítulo. Mas rir do grupinho amontoado diante da câmera talvez diga mais sobre nós mesmos do que sobre eles.

Antes de compartilhar a próxima piada sobre "pau de selfie" talvez seja melhor se lembrar de que estamos todos juntos nessa foto.


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