Folha de S. Paulo


Editorial: Obama hiperativo

O presidente dos EUA, Barack Obama, terminou 2014 disposto a desfazer a impressão de que será, nos últimos dois anos de mandato, o que os meios políticos de seu país conhecem como "pato manco" –um líder sem poder, apenas guardando lugar para o sucessor.

Tão logo foi confirmada sua derrota na eleição para o Congresso em novembro, quando perdeu o Senado (já não tinha a Câmara), Obama deu início a um período de hiperatividade poucas vezes visto na história recente americana.

Em questão de semanas, fechou um acordo climático com a China, ajudou a destravar a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (ameaçada pela Índia), anunciou medidas para dificultar a deportação de imigrantes ilegais e pôs em marcha um processo de reaproximação com Cuba.

Justificou as medidas, promulgadas por meio de decretos, com base na inação do Congresso. Iniciativas mais sólidas, como a legalização de hispânicos e o fim do embargo comercial imposto contra Havana, dependeriam de mudanças legislativas, algo que não é realista imaginar antes de 2016, data da próxima eleição presidencial.

Obama, assim, fez remendos, tentando mitigar a frustração de setores progressistas com sua passagem pela Casa Branca. Excluindo-se a aprovação da lei de saúde pública, em 2010, é magra, até agora, a lista de grandes feitos do primeiro presidente negro dos EUA.

Nada indica que Obama reduzirá o ritmo em 2015. De olho em seu legado, o presidente ainda pode anunciar um acordo nuclear com o Irã. Também é provável que se lance em nova tentativa de mediar a paz entre Israel e Palestina.

No âmbito interno, conta com a recuperação da economia, que, no terceiro trimestre de 2014, cresceu impressionantes 5% anualizados.

Jogador político ousado, Obama deu de ombros para os protestos da oposição republicana, que ameaça cortar qualquer resquício de colaboração bipartidária e questionar na Justiça a legalidade de algumas decisões. Sem precisar se preocupar com novas eleições, deu-se ao luxo de esgarçar até o limite do possível o princípio dos freios e contrapesos.

Chamado de "imperador romano", "Napoleão" e até de "ditador" pelos mais exaltados, Barack Obama corre o risco, ao buscar a via da autossuficiência legislativa, de desmoralizar a negociação política nos EUA. Por mais que os republicanos levem a tática da obstrução ao paroxismo, esse é um feito que ele não deveria almejar.


Endereço da página: