Folha de S. Paulo


André Malavasi, Luis Sakamoto e Luiz Gebrim: Projeto Gravius

Em artigo publicado nesta Folha, o oncologista Drauzio Varella descreve hecatombe por ele presenciada das meninas grávidas na cracolândia. Incomoda-se da falta de acesso dessas mulheres aos métodos anticoncepcionais, principalmente os de longa duração.

Esse acesso já existe desde março deste ano. No Projeto Gravius, o Hospital Pérola Byington, em parceria com Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), acolhe todas as quintas-feiras duas usuárias de crack para realizar contracepção com implante subcutâneo.

Não é uma atividade simples, com nuances éticas, sociais e logísticas. A mulher, sempre de forma voluntária, recebe informação sobre os métodos que podem ser utilizados e seus efeitos colaterais. Para que isso ocorra, é imprescindível acolhê-la há um ou dois dias sem uso da droga, caso contrário não pode decidir pelo método que, apesar de reversível, tem longa duração.

Com a ajuda do Cratod a paciente é trazida ao Pérola para exame de mamas e ginecológico, coleta de Papanicolau, exames para sífilis, hepatite, HIV/Aids, gonorreia, clamídia e pesquisa de tuberculose. Após realizar teste de gravidez, sendo este negativo, a paciente recebe o implante subcutâneo, que dura 3 anos e pode ser retirado em qualquer momento, se assim desejar.

Os métodos contraceptivos de longa duração são aqueles que independem da lembrança ou de atitude pela mulher para sua utilização, sendo considerados com altas taxas de segurança. Dentre esses métodos, há os dispositivos intra-uterinos (DIU) e os implantes subcutâneos de progesterona.

A utilização do implante subcutâneo de etonogestrel como escolha entre as mulheres usuárias de drogas adapta-se de modo bastante adequado, pois muitas delas deixam de ter um acompanhamento rotineiro. Os DIUs não devem ser considerados como escolha devido ao elevado número de parceiros sexuais desta população, nem tão pouco os injetáveis trimestrais, pois necessitam da procura rotineira aos serviços médicos.

As pacientes que recebemos têm idade média de 24 anos e média de idade do início do uso de drogas aos 14 anos, muitas vezes antes da primeira relação sexual. A maioria utiliza não apenas crack, mas uma combinação potencialmente letal de drogas como cocaína, maconha, haxixe, anfetamina, LSD, "loló", lança pefume, ecstasy, tiner e esmalte de unha.

Administrar indiscriminadamente pílula anticoncepcional a esta população sem cuidados médicos, além de inútil pode ser deletério. Muitas estão grávidas há vários meses e desconhecem esse estado. Por estarem desnutridas, frequentemente cursam com fetos menores do que o esperado à idade gestacional.

Como estão na maior parte das vezes fora de si, estas mulheres dificilmente realizam exames preventivos, sendo altas as taxas de doenças sexualmente transmissíveis nesta população. A grande quantidade de relações sexuais por dia que estas mulheres se submetem –em média oito por dia–, vendendo-se por quase nada para conseguir comprar mais droga, as expõe a todos os tipos de mazelas.

Quando grávidas, não realizam pré-natal, além de continuar o uso das diversas drogas consumidas naquela região. Apresentam altas taxas de partos prematuros, com recém nascidos bioquimicamente dependentes e que, por isso, sofrem de abstinência logo nos primeiros dias de vida.

A iniciativa, organizada entre Cratod e Pérola Byington e apoiada pela Secretaria Estadual de Saúde, é mais um dos muitos desafios enfrentados pelo nosso Hospital, pioneiro no acolhimento das vítimas de violência sexual e alta resolutividade no diagnóstico e tratamento do câncer de mama. Assim como nestas searas, pretende-se transformar este projeto piloto em mais um modelo a ser disseminado pelo Estado de São Paulo e pelo Brasil.

ANDRÉ LUIZ MALAVASI, 41, ginecologista, é coordenador médico do Hospital Pérola Byington
LUIS CARLOS SAKAMOTO, 53, ginecologista, é coordenador do Projeto Gravius
LUIZ HENRIQUE GEBRIM, 57 mastologista, é diretor do Hospital Pérola Byington

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