Folha de S. Paulo


Paulo Schiller e Ilana Katz: Nem toda agitação ou desatenção é doença

A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo publicou em 12 de junho de 2014 a portaria nº 986/2014, que regulamenta o uso de metilfenidato (ritalina e concerta) na rede pública de saúde do município. O protocolo clínico instituído representa um passo essencial no reconhecimento de uma verdadeira epidemia em que se configurou nos últimos anos o diagnóstico de transtorno de deficit de atenção/hiperatividade (TDAH).

Com a ampliação recente da faixa etária dos que podem ser incluídos no diagnóstico de TDAH, números dos Estados Unidos, que certamente reverberam o que acontece no Brasil, dão conta de um aumento excessivo e injustificado do diagnóstico na infância e na adolescência na última década. Estima-se que cerca de 6 milhões de crianças e 10% dos adolescentes tomem algum derivado das anfetaminas, grupo a que a ritalina e o concerta pertencem.

Embora sem nenhuma evidência etiológica comprovada nos manuais de psiquiatria, o TDAH é tido como um distúrbio de natureza bioquímica, sem levar em conta as relações familiares, o ambiente escolar ou a subjetividade da criança.

Como aponta o novo protocolo e diretriz terapêutica, "sob o aspecto clínico, torna-se complexa a distinção de casos de TDAH de parte dos problemas de escolaridade decorrentes de modelos pedagógicos inadequados ao contexto social das crianças, de questões familiares cada vez mais complexas e do contexto sociocultural em que há competição, produção de estigmas e exclusão".

O protocolo constitui um avanço significativo no Brasil, não somente pelas medidas que restringem a prescrição medicamentosa –transferida unicamente, no município de São Paulo, para os Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi). Além disso, caminha no sentido de situar o TDAH não mais como uma categoria diagnóstica, mas como um sintoma, presente em diferentes situações clínicas, não generalizável, em que
a bioquímica pode sofrer os efeitos da história de cada um.

Aos que acusavam a falta de políticas públicas na atenção ao TDAH, a medida é uma ação responsável articulada à proposta de uma abordagem integrada no âmbito da saúde e da educação.

PAULO SCHILLER é psicanalista e tradutor
ILANA KATZ, doutora em psicologia e educação pela USP, é psicanalista

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: