Folha de S. Paulo


Nelson Mussolini: A verdade sobre os remédios fracionados

Ao contrário do que se pretende alegar, a indústria farmacêutica é favorável à dispensação dos medicamentos fracionados.

Externamos essa posição quando do anúncio do decreto presidencial que instituiu a medida, em janeiro de 2005. Mas já naquela oportunidade, preocupada com a saúde do brasileiro e não apenas com as questões econômicas, a indústria farmacêutica advertia que, no Brasil, o fracionamento só cumpriria sua finalidade se viesse acompanhado de normas que evitassem os riscos sanitários e a automedicação irresponsável, garantissem a rastreabilidade dos produtos e inibissem a falsificação e a sonegação.

Esses aspectos foram contemplados na resolução nº 80 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2006, que exigia que o fracionamento fosse manipulado em ambiente esterilizado necessariamente por um farmacêutico.

Mas o projeto de lei nº 7.029/2006, de autoria do Executivo, que tramita na Câmara dos Deputados, ignora tais cuidados ao propor que as embalagens sejam mais maleáveis e assim possam ser simplesmente picotadas por qualquer funcionário.

Pela proposta do governo, o fracionamento poderá levar a um retrocesso nos padrões estabelecidos pela legislação sanitária, que garantem a manutenção da integridade do medicamento do produtor ao consumidor final, em harmonia com o Código de Defesa do Consumidor.

É falho o argumento segundo o qual o fracionamento reduziria a automedicação causada por sobras de medicamentos nas residências. Em geral, a sobra de medicamento decorre do abandono do tratamento resultante da melhora dos sintomas.

No contexto da notória deficiência de fiscalização das mais de 60 mil farmácias e drogarias no país, da ausência de farmacêutico presente em tempo integral nessas unidades e da conhecida dificuldade de acesso à assistência médica, aliada à possibilidade de compra de medicamentos tarjados sem receita, o fracionamento serviria de incentivo à "autoprescrição".

Tome-se o caso de doenças crônicas, que exigem tratamento contínuo ou prolongado. Nessas condições, a adesão ao tratamento seria comprometida ao estimular a população a adquirir quantidades mínimas e insuficientes para moléstias como diabetes e hipertensão. Pregar o fracionamento sem um efetivo controle da comercialização é um crime contra a saúde do brasileiro.

Também é falho o argumento segundo o qual o fracionamento por si só reduziria o custo do tratamento. Sem normas rígidas e controle adequado, o paciente perderá o parâmetro de preço do medicamento.

A referência para o fracionamento deve ser a bem-sucedida introdução dos medicamentos genéricos no país, feita com a adesão voluntária da indústria, que insistiu em não abrir mão dos parâmetros e critérios técnicos de qualidade e segurança. O genérico consolidou-se como um produto intercambiável, aceito por médicos e pacientes, com participação de quase 30% do mercado hoje.

Sob argumentos demagógicos e pouco técnicos, não podemos pôr em risco o usuário de medicamentos. Abrir mão da segurança do consumidor não é o melhor caminho a ser trilhado.

NELSON MUSSOLINI, 55, é presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde

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