Folha de S. Paulo


Ricardo Ferraço: A integração elétrica da América do Sul

Com mais de 8,5 milhões de km², cerca de 198 milhões de habitantes e uma economia também de dimensão continental, o Brasil tem uma demanda enorme –e crescente– de eletricidade. Apesar da extensão impressionante da nossa rede de transmissão –100 mil km, o suficiente para interligar Lisboa a Moscou–, é consenso que o sistema de transmissão está operando no limite de sua capacidade. O último apagão, que deixou cerca de seis milhões de brasileiros sem luz, só reforçou essa convicção.

A urgência na operação de novas linhas de transmissão –com atraso médio de 13 meses– e a antecipação de licitações de outras usinas são essenciais para aumentar a capacidade do sistema e espantar o fantasma do racionamento. Mas esse também é o momento de se discutir com atenção a possibilidade de integração elétrica com os demais países da América do Sul. O Brasil tem condições de sobra para liderar esse processo, até pela extensão de sua rede e pela sustentabilidade de sua matriz elétrica –83,8% das nossas fontes de energia são renováveis, um índice impressionante diante da média mundial de 18,7%.

Já tivemos uma primeira experiência de integração bem sucedida com a usina binacional de Itaipu, que entrou em operação em 1984 e chegou a ser a maior hidroelétrica do mundo. Um bom negócio para o Brasil, que tem quase 20% de sua demanda de energia atendida pela usina, e para o Paraguai, que garante um fluxo estável e seguro de divisas, com a venda de metade do excedente de sua cota de energia para o Brasil.

Mas não fomos além de Itaipu, embora existam projetos em estudo com Argentina, Guianas, Peru e Uruguai.

A viabilidade econômico-financeira desses empreendimentos seria garantida com a venda da energia excedente para o Brasil, já que, assim como o Paraguai, a capacidade instalada e o crescimento da demanda por eletricidade nos demais Estados sul-americanos são menores que em nosso país.

Tomemos a Bolívia como exemplo. O rio Madeira, fronteira entre os dois países, tem potencial para construção de uma usina hidrelétrica de cerca de 3.500 MW. A capacidade instalada do setor elétrico boliviano é de 1.500 MW, com previsão de crescimento de 100 MW a cada ano para atender à demanda interna. Assumindo o compromisso de comprar o excedente de energia da parte boliviana, o Brasil garantiria um arranjo simples e eficaz, que viabilizaria a construção da usina com benefícios para os dois países. Além de ter acesso à energia limpa e renovável, o Brasil poderia usar a capacidade de seu complexo industrial-financeiro para gerar emprego e renda internamente.

É claro que as negociações teriam que, em nome da segurança jurídica, garantir o fiel cumprimento do contrato, de forma a evitar episódios semelhantes à ocupação e nacionalização das refinarias da Petrobras na Bolívia, em 2006.

O assunto foi tema de um ciclo de audiências públicas na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado no ano passado. Na ocasião, especialistas da área foram unânimes na conclusão de que o Brasil tem todas as condições de liderar o processo de integração elétrica na América do Sul tanto no que diz respeito à interligação por linhas de transmissão, quanto à construção de usinas hidroelétricas.

O que falta, alertaram os especialistas, é uma decisão política firme por parte do governo brasileiro.

RICARDO FERRAÇO, senador pelo PMDB-ES, é presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado

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