Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Como evitar que ocorra uma guerra civil entre os venezuelanos

Em 16 de julho, mais de sete milhões de venezuelanos votaram em um plebiscito que rejeitou enfaticamente os planos de Nicolás Maduro de convocar uma assembleia para reescrever a Constituição.

Foi uma demonstração notável para um evento eleitoral informal e teve presença maciça, se não nervosa, nas regiões operárias que já foram redutos de Hugo Chávez, antecessor do presidente.

Desde então, a oposição vem tomando medidas para estabelecer um governo paralelo –o que pode continuar como iniciativa simbólica.

Entretanto, se insistir nessa opção, em breve buscará reconhecimento e financiamento internacional e, pelo menos implicitamente, estará impondo sua presença e se rebelando contra o monopólio do uso da força.

A seguir, vai querer o que todo governo deseja: armas para se defender. E, se tiver êxito, a Venezuela poderá mergulhar em uma guerra civil que fará o conflito atual parecer briga de moleque.

As esperanças de que a OEA (Organização dos Estados Americanos) faça valer a Carta Democrática Interamericana vêm sendo frustradas repetidamente, e o governo Maduro, com uma tenacidade leninista que vê no conflito a oportunidade de consolidar seu projeto, se recusa a abandonar seus planos.

Marco Bello - 19.jul.2017/Reuters
O ministro da Defesa da Venezuela, Padrino López (ao microfone), participa de entrevista coletiva com outros oficiais do alto comando do país
O ministro da Defesa da Venezuela, Padrino López (ao microfone), participa de entrevista coletiva com outros oficiais do alto comando do país

A reação do governo Trump foi sugerir aumentar a lista de medidas punitivas já existentes, ampliando o espectro para incluir penalidades econômicas mais amplas, o que tornará a situação venezuelana, já desesperadora, ainda pior. Engrossar a lista de autoridades venezuelanas penalizadas pelos EUA só ajudará Maduro a solidificar seu núcleo.

As sete pessoas incluídas na "lista negra" de 2015 se tornaram indispensáveis no alto escalão do regime, da mesma forma que o vice, Tareck El Aissami, que entrou para a relação em fevereiro. A única autoridade a romper com o governo Maduro, a procuradora geral Luísa Ortega-Díaz, teve suas ações neutralizadas por uma Suprema Corte cujos membros entraram para o rol em maio.

Punir o setor petrolífero venezuelano seria muito pior: imporia um sofrimento incomensurável aos cidadãos, muitos dos quais já estão com a vida por um fio, e geraria uma crise de refugiados.

Maduro e seus cupinchas continuarão a comer bem e usarão as sanções americanas para reforçar a desculpa que usam para explicar o desastre de sua governança: a de que os EUA e outras potências imperialistas promovem uma guerra econômica contra a Venezuela.

Essa medida também encorajaria os vizinhos a se manifestar, em solidariedade, e tem potencial para tornar o país "cliente" russo. De fato, é provável que as sanções econômicas dos EUA sacramentem o chavismo na Venezuela pelos próximos 55 anos, exatamente como fizeram com os Castro em Cuba.

E o que pode ser feito? O debate na OEA ajudou a atrair atenção para a situação venezuelana, mas não pode ir além disso. A essa altura, qualquer proposta será rejeitada pelo governo Maduro.

O que deve ocorrer é bem mais simples que uma votação da organização: um grupo de amigos precisa se erguer, uma iniciativa de quatro a seis países da região.

Não há parcerias ideais; todas as nações relevantes estão ou muito próximas a Maduro ou à oposição.

Entretanto, Uruguai, Equador, Colômbia, Chile, República Dominicana e El Salvador poderiam trabalhar juntos para criar um pacote que agradasse a ambos os lados.

Quem sabe um país europeu, com tradição em mediação e resolução de conflitos, pudesse oferecer sugestões? Representantes especiais do Vaticano, da ONU e da União Europeia poderiam ser participantes importantes em uma negociação, sobretudo para monitorar o cumprimento de quaisquer acordos selados.

Os diálogos devem ser travados fora da Venezuela, talvez por meio de atividades diplomáticas, e teriam que incluir não só um plano de saída para a liderança chavista como garantias de que o apoio ao movimento, ainda considerável na Venezuela, continue a ser representado.

DAVID SMILDE é professor de sociologia da Universidade Tulane e membro da organização sem fins lucrativos WOLA (Washington Office on Latin America)


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