Donald Trump pode estar lutando para conseguir fazer as coisas em casa, mas em outras partes do mundo ele se mostra um provocador de mudanças.
O presidente americano fez duas visitas a outros países que ele mesmo escolheu nos primeiros seis meses de sua Presidência, ao Oriente Médio e à Polônia. Ambas tiveram rápidas e importantes consequências, levando seus anfitriões a acreditar que tinham o apoio dos EUA para medidas que antes haviam hesitado em tomar.
O chanceler dos Emirados Árabes Unidos, Anwar Gargash, confirmou nesta semana que a viagem "muito, muito bem sucedida" de Trump ao Golfo em maio ajudou a desencadear a decisão de seu país –juntamente com a Arábia Saudita, o Egito e Bahrein– de lançar um ataque econômico e político contra o Qatar.
A medida tomada em 5 de junho de cortar os laços diplomáticos, comerciais e de transporte com o Qatar, fechando sua única fronteira por terra, veio pouco mais de duas semanas depois da partida de Trump da região.
O presidente apoiou a decisão em um tuíte, dizendo que os líderes árabes com quem ele havia se reunido "apontaram para o Qatar" quando lhes disse que o financiamento de ideologias radicais tinha de parar.
A Polônia esperou só uma semana depois da visita de Trump, em 6 de julho, para aprovar leis que dão aos políticos maior controle do Judiciário, transferindo ao Parlamento o direito de nomear o órgão que promove os juízes.
O governo também propôs encerrar os mandatos dos atuais juízes da Suprema Corte e deixar o Ministério da Justiça decidir quem continuará e quem será substituído. Os legisladores do partido governante disseram ter encontrado um aliado no presidente americano, que retratou a Polônia como um país modelo na Europa.
"Em ambos os casos, o que vimos foi uma tentativa de manipular Trump, de tirar vantagem de sua falta de conhecimento e de infraestrutura em política externa", disse Thomas Wright, diretor do Centro para EUA e Europa no Instituto Brookings, um grupo de pensadores em Washington.
Trump ainda não impôs suas prioridades em política externa para antigos problemas globais, muitos dos quais também derrotaram seus antecessores.
O programa de testes de mísseis da Coreia do Norte, por exemplo, foi acelerado desde que Trump assumiu o cargo. A questão israelense-palestina não parece mais próxima da solução. A guerra civil na Síria entra com força em seu sétimo ano.
Para muitos aliados, a maior preocupação era que o novo governo, com seu slogan "América primeiro", destruísse a ordem econômica e de segurança liberal construída sob os auspícios dos EUA depois da Segunda Guerra. Trump retirou seu país do Acordo de Paris de 2015, mas nenhum outro o seguiu.
Entretanto, crescem as evidências de um concreto, embora imprevisível, efeito Trump. Alguns países da Otan (aliança militar ocidental) estão acelerando os planos para cumprir a meta de gastos de defesa da aliança –incentivados por Trump, mas também mirando à frente, em uma era pós-americana.
O novo presidente também pode ter contribuído para uma queda no apoio a colegas populistas na Europa, que receberam fortes empurrões com sua eleição no ano passado, mas viram suas perspectivas eleitorais recuarem novamente desde que ele assumiu o cargo.
Na Polônia, as autoridades não atribuíram à visita de Trump sua aposta em reforçar o controle do Judiciário, mas há pouca dúvida de que foram encorajadas por seu apoio e o reforço nas pesquisas de opinião que ele produziu.
Parando em Varsóvia a caminho da cúpula do G20 em Hamburgo, Trump fez um discurso de política externa afirmando que a civilização ocidental, definida pela fé e a cultura, estava em perigo.
Ele destacou a Polônia, o tema de uma investigação sem precedentes pela UE por supostamente abusar do Estado de direito, como um farol da liberdade.
Carlos Barria - 6.jul.2017/Reuters | ||
Donald Trump e seu colega polonês, Andrzej Duda, em Varsóvia |
"Ele deveria ter dito: 'Somos seus amigos, mas precisamos que vocês sustentem as instituições democráticas como a imprensa livre'", disse Wright. "Em vez disso, ele disse: 'Eu também detesto a imprensa'."
O partido no governo aproveitou os comentários de Trump e até adotou um de seus termos preferidos.
Os adversários políticos vêm disseminando uma falsa imagem da Polônia como um país totalitário, disse Dominik Tarczynski, um legislador do Partido Lei e Justiça.
"Lenta, mas certamente, estamos conseguindo convencer muitos países de que estamos lidando com notícias falsas aqui, algo de que o presidente Trump falou durante sua visita."
Resta ver se as iniciativas que Trump catalisou na Polônia e no Golfo funcionarão como planejado.
Na Polônia, as reformas judiciais estão se mostrando controversas em meio a advertências de que podem danificar a jovem democracia do país e afastar os investidores estrangeiros.
O governo recuou em alguns elementos de suas propostas legislativas na terça-feira (18), embora o partido governante tenha tentado apressar a aprovação das medidas.
Na quarta-feira (19), a Comissão Europeia disse que está considerando a possibilidade de impor sanções punitivas. A Polônia recebeu cerca de US$ 285 bilhões em ajuda da UE, quase dois terços de seu PIB atual, desde sua entrada no grupo em 2004.
Os legisladores se reuniram novamente na quarta-feira, depois de um debate acalorado que teve tapas e passou da meia-noite. Legisladores da oposição apresentaram mais de mil emendas na tentativa de retardar a aprovação da lei, enquanto manifestantes diante do Parlamento cantavam: "Liberdade, igualdade, democracia".
Os países do Golfo que comandam o isolamento do Qatar têm mais a fazer para alcançar seus objetivos. Tendo apresentado um ultimato com 13 exigências supostamente não negociáveis, os Emirados Árabes Unidos e seus aliados deixaram o prazo expirar. Então reduziram a lista a seis exigências. Mesmo estas são apenas um ponto de partida para negociações, disse Gargash na segunda (17).
Enquanto isso, o Qatar –que abriga uma importante base militar americana– reforçou os laços com o Irã e a Turquia e ao mesmo tempo manobra para sobreviver ao embargo, potencialmente realinhando a região de uma maneira que não agradaria a seus vizinhos árabes ou aos EUA.
Apesar dos tuítes de Trump em apoio à campanha saudita-emirática, o resto de seu governo se recusou a assumir lados. O secretário de Estado, Rex Tillerson, buscou ativamente ser um mediador.
Duas semanas após o início da disputa, o Departamento de Estado disse que estava "confuso" com a falha dos aliados do Golfo em sustentar com provas suas alegações contra o Qatar, e questionou se a disputa era realmente sobre terrorismo.
Esse tipo de ambiguidade já provocou problemas, disse Wright, o analista do Brookings. Ele disse que sinais dúbios dos EUA contribuíram para o surgimento de guerras na península Corana em 1950 e no golfo Pérsico quatro décadas depois –duas regiões que continuam no topo da lista de lugares problemáticos no mundo na era Trump.
Traduzido por LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES