Folha de S. Paulo


'Trumpcare' ameaça clínica ginecológica de baixo custo nos EUA

Mark Ralston - 21.jun.17/AFP
Pacientes da Planned Parenthood protestam na Califórnia
Pacientes da Planned Parenthood protestam na Califórnia

Há oito anos, a estudante de artes Lindsey James, 24, faz todos os seus exames ginecológicos na única clínica da organização Planned Parenthood na cidade universitária de Kent, em Ohio.

Na última semana, ela se juntou a professoras e colegas para leiloar obras de artistas locais. Arrecadaram US$ 7.000 (R$ 25 mil) para a organização, que pode perder os US$ 555 milhões anuais que recebe do governo.

A previsão de suspender por um ano a verba federal para a Planned Parenthood está no projeto apresentado pelos republicanos em substituição ao Obamacare (a reforma do sistema de saúde por Barack Obama), que o Senado deve votar esta semana.

O argumento dos líderes do partido é que o contribuinte não deve financiar uma organização que realiza abortos, apesar de a prática ser legal nos EUA desde 1973. O prazo de um ano é para que a instituição pare de oferecer o procedimento se quiser a verba.

O parágrafo sobre a Planned Parenthood (PP), no entanto, pode colocar em jogo a própria aprovação do texto.

Duas senadoras republicanas, Susan Collins e Lisa Murkowski, já disseram que não apoiarão a proposta com o corte à PP. Com maioria apertada, o partido só pode ter duas deserções. Mas a concessão irritaria os numerosos correligionários antiaborto.

Para Lindsey, é "muito frustrante" pensar que a PP pode perder o financiamento por causa da oposição dos congressistas ao aborto. "A organização vai além disso. Esses são argumentos de pessoas sem informação."

Planned Parenthood - Receita da organização, em US$ milhões

PLANOS PARTICULARES

Os reembolsos e fundos de programas como o Medicaid representam US$ 4 de cada US$ 10 recebidos pela PP, que também faz atendimento por planos de saúde e particular.

Apesar de não especificar onde é usada a verba federal, a PP nega que o dinheiro vá para procedimentos de aborto. Em seu relatório anual, descreve apenas que 63% dos gastos são com "serviços médicos", 18% com serviços não considerados médicos e o restante com administração.

Para pacientes como Lindsey, sem plano de saúde e com baixa renda, a organização subsidia testes e procedimentos. A estudante diz que chega a pagar 50% do valor de exames como papanicolau e mamografia, que normalmente custam US$ 200. O valor mínimo do aborto, com pílula, é US$ 475.

A professora Janice Lessman-Moss, 63, idealizadora do leilão, diz ter sido uma "paciente muito grata" da PP há 40 anos. "Hoje tenho um plano de saúde porque trabalho, mas, para muitas jovens, eles representam uma necessidade social fundamental."

A organização afirma que o aborto representa 3% de todos os serviços que presta por ano. Em 2015, foram 328.348, ou quase 900 abortos por dia -de procedimentos por aspiração ou cirúrgico a pílulas.

Os movimentos antiaborto contestam o dado, dizendo que o número não deve ser comparado com serviços como teste de gravidez ou distribuição de anticoncepcionais -que superam 1 milhão.

Para eles, o cálculo deve ser feito sobre o número de pacientes da PP (2,4 milhões anuais), o que demonstra que um em cada sete pacientes procura a organização para interromper a gravidez.

Eric Scheidler, da Liga de Ação Pró-Vida, critica o acesso da PP aos pacientes do Medicaid (a assistência governamental aos pacientes mais pobres), "para quem também será vendido o aborto".

Ele lembra os vídeos de 2015 que supostamente mostravam uma diretora da organização negociando tecidos de fetos -os quais a organização diz terem sido forjados.

Scheidler diz que, mesmo que o dinheiro do contribuinte não pague abortos, "ele é usado para chamar a atenção para a organização e faz com que mais pessoas procurem suas clínicas para aborto".

Janice considera a ênfase "ridícula". "Querem parar tudo por causa de um dos serviços que eles oferecem -e que, na minha opinião, é uma necessidade." Na de 29% da população, segundo pesquisa Gallup de maio, também. Para 50% dos americanos, o aborto deveria ser legal em determinadas circunstâncias, e para 18%, proibido.

Planned Parenthood - Gastos da organização, em %


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