Folha de S. Paulo


Oito nerds têm a missão de produzir 1ª projeção sobre eleição britânica

Em um local secreto em Londres, nesta quinta-feira (8), oito homens estarão diante de seus laptops, em uma sala lacrada. São os principais especialistas britânicos na ciência do voto, e sua missão é produzir a primeira projeção completa do resultado da eleição.

A pesquisa de boca de urna, publicada no momento em que o Big Ben, o relógio na torre do Parlamento, soa às 22h, produziu choques nas duas últimas eleições, prenunciando o primeiro governo de coalizão britânico desde a Segunda Guerra Mundial, em 2010, e a vitória escancarada dos conservadores em 2015, quando a aposta era em um novo governo de coalizão. A projeção é produzida em condições de alta segurança, e os envolvidos juram segredo sobre os métodos usados.

"É claro que é empolgante", disse Rob Ford, professor de política na Universidade de Manchester envolvido na produção da pesquisa desde 2005 e coeditor de "Sexo, Mentiras e Urnas". "Somos as primeiras pessoas do país a descobrir o que vai acontecer. Por quase metade de um dia, somos as únicas pessoas que sabem o que virá".

Os resultados são mais confiáveis do que as pesquisas de opinião normais porque se baseiam em entrevistas com pessoas que já votaram, o que remove o problema de entrevistados que dizem a um pesquisador que votarão mas terminam não indo às urnas, e o dos eleitores que anunciam que votarão em dado partido mas mudam de ideia na cabine.

Marko Djurica/Reuters
Cartazes em loja de apostas mostram a primeira-ministra, Theresa May, e o trabalhista Jeremy Corbyn
Cartazes em loja de apostas mostram a primeira-ministra, Theresa May, e o trabalhista Jeremy Corbyn

Na eleição passada, um total de 20 mil eleitores foram entrevistados. Usando dados históricos de eleições passadas, a projeção busca medir mudanças nos padrões de voto no Reino Unido. Os resultados são combinados para prever como será a votação nos diferentes distritos eleitorais.

A equipe é liderada por John Curtice, 63, professor de política na Universidade Strathclyde, em Glasgow, que ostenta uma combinação de calvície e cabelos revoltos e se tornou presença frequente nas telas de televisão, como guru de eleições da rede de rádio e TV BBC.

A psefologia –uma palavra que deriva do termo grego para pedregulhos, usados no passado como instrumento de votação– envolve ciência, computação avançada e, por fim, interpretações pessoais quanto aos resultados. Para Curtice, ela também é uma forma de arte e uma paixão duradoura.

Em entrevista ao jornal "Guardian" em 2005, ele descreveu como, aos 11 anos, se viu fascinado pelo resultado da eleição de 1964, que levou Harold Wilson e o Partido Trabalhista ao poder. "Virei a noite acordado, ouvindo os resultados pelo rádio".

Parte da arte da pesquisa eleitoral é identificar de que maneira seções diferentes do eleitorado estão mudando. Os eleitores rurais podem ir em uma direção e os urbanos em outra. Na atual eleição, os candidatos trabalhistas contam com apoio forte entre os jovens e os moradores de regiões centrais de grandes cidades, mas encontram menos adesão nas áreas suburbanas.

PARLAMENTO HOJE - Número de cadeiras por partido

PESQUISA - Intenção de voto para a eleição de hoje*

Depois de um desastre em 1992, quando a projeção errou por 62 assentos ao prever que John Major não conseguiria manter a maioria conservadora –e de um tropeço menor em 1997, quando a projeção sobre a escala da grande vitória trabalhista ficou 29 assentos abaixo do resultado real–, o método foi mudado. De 2001 a 2010, a projeção acertou por margem de seis assentos a maioria parlamentar do partido vencedor.

O sigilo é essencial para impedir que os resultados vazem –no Reino Unido, é crime divulgar informações sobre resultados enquanto as urnas ainda estão abertas. "Os procedimentos de segurança são muito, muito rígidos", disse Ford. Os celulares de todo mundo que fica na sala são confiscados durante o trabalho.

Três redes de TV –BBC, Sky e ITV– bancam a pesquisa juntas, mas poucos de seus funcionários estão autorizados a saber o resultado, e mesmo eles só o recebem no último momento possível. Porque precisam de tempo para preparar a produção visual dos noticiários, as equipes gráficas das redes de TV são as primeiras a receber a informação, antes mesmo dos jornalistas mais importantes.

Nick Robinson era editor de política da BBC em 2015, e recebeu os números pouco antes de ir ao ar ao vivo. A previsão era de um avanço na bancada conservadora. Em seu livro de memórias sobre a eleição, ele diz: "eu queria gritar - mesmo? Os trabalhistas recuaram e os liberais democratas despencaram? Por que as pesquisas não mostraram isso?"

Crescimento anual em 2016, em % -

REINO UNIDO - Crescimento em comparação com o trimestre anterior

PESO DO REINO UNIDO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS, EM % -

Mas para a equipe que avalia as pesquisas de boca de urna, a divulgação dos números às 22h é apenas a metade do caminho daquilo que Curtice descreve como "a longa marcha". Os indicadores seguintes com que eles trabalham são os números reais de votação. Quando os resultados de apuração começam a entrar, por volta das 23h, oferecem informações sólidas sobre mudanças nos padrões de votação, e o modelo passa a se basear cada vez mais nesses números.

Não importa que as declarações iniciais de voto no Reino Unido tendam a vir de distritos eleitorais favoráveis aos trabalhistas, em lugares como Sunderland, no nordeste da Inglaterra. Curtice e sua equipe estão em busca das mudanças no voto e não só dos resultados.

"Quando temos 50 resultados [distritais], podemos ver claramente a tendência", disse Ford. "Você vê as projeções mudando à medida que os resultados entram. Isso acontece porque o modelo está aprendendo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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