Folha de S. Paulo


Linha-dura do Irã cede e entra nas redes sociais para atacar adversários

A primeira imagem mostra uma multidão de milhares de pessoas lotando uma praça no centro da cidade de Isfahan, esta semana, para assistir a um discurso do líder religioso linha dura Ebrahim Raisi, o principal adversário do presidente Hasan Rowhani na eleição presidencial do Irã, que acontece na sexta-feira (19).

Imediatamente abaixo, outra imagem da mesma praça mostra o público muito menor que compareceu a um comício de Rowhani no dia anterior, com setas vermelhas identificando as áreas vazias.

Tima/Reuters
Iraniana usa celular em Teerã; antes refratários, conservadores usam redes sociais para atacar rivais
Iraniana usa celular em Teerã; antes refratários, conservadores usam redes sociais para atacar rivais

As fotos contrastantes foram postadas em páginas de redes sociais da linha-dura da República Islâmica, e milhares de pessoas visitaram as páginas.

A Reuters não conseguiu verificar se elas oferecem um retrato fiel da dimensão real do público nos eventos rivais. Mas oferecem um exemplo claro de como a linha-dura seguiu o exemplo dos reformistas e decidiu usar as redes sociais para difundir sua mensagem.

A eleição presidencial está a apenas alguns dias de distância, e os dois lados estão se enfrentando em um duelo de mídia social sem precedentes na história política iraniana.

Tradicionalmente, o lado reformista ou moderado vem sendo o principal usuário da mídia social no Irã. Quando as forças de segurança reprimiram protestos depois da contestada eleição presidencial de 2009, milhares de jovens iranianos postaram fotos e vídeos no Twitter. Agora, seus oponentes estão fazendo a mesma coisa.

"Pela primeira vez, os oponentes dos reformistas também estão usando a mídia social", disse Saeed Leylaz, economista e analista político radicado em Teerã.

O Irã tem uma população jovem e familiarizada com o uso da tecnologia; cerca de 60% dos 80 milhões de habitantes do país têm menos de 30 anos de idade.

"A mídia social assumiu completamente o papel de difusora de informações e notícias sobre a eleição", disse Leylaz. "Não existe mídia nacional ou internacional que exerça impacto semelhante".

O veículo de mídia social mais popular no país, por larga margem, é o Telegram, um serviço de chat que atende a nichos de mercado nos países ocidentais mas conta com cerca de 20 milhões de usuários no Irã, de acordo com a agência de notícias iraniana Isna.

O Telegram permite que os usuários criem "canais" para veicular fotos, vídeos e outras mensagens e atingir grande número de seguidores. Para os reformistas iranianos, especialmente, isso oferece uma maneira de difundir mensagens que de outra forma seriam bloqueadas pela censura.

Eles usaram o serviço esta semana para divulgar uma mensagem do ex-presidente Mohammad Khatami na qual ele apela aos eleitores que vão em massa às urnas e votem em Rowhani; no Irã, é ilegal veicular fotos de Khatami ou mencionar seu nome na TV ou nos jornais.

"Votaremos em Rowhani pela liberdade de pensamento, lógica no diálogo, lei na prática, defesa dos direitos dos cidadãos, e para levar justiça social e econômica à nossa sociedade", dizia Khatami na mensagem. Desta vez cabe a você repetir".

*"FATOS ALTERNATIVOS"

Mas os conservadores também descobriram o poder da mídia social. Veículos da linha dura divulgaram vídeos de mineiros de carvão insatisfeitos socando o carro de Rowhani em protesto durante a visita do presidente a uma mina na qual dezenas de trabalhadores morreram por conta de um acidente.

Os oponentes do presidente postaram na mídia social documentos que, segundo eles, provam a participação dele em transações imobiliárias corruptas. Rowhani vem negando repetidamente as acusações de corrupção.

"No passado, os candidatos raramente recorriam à mídia social para revelar documentos cujo objetivo era sabotar a campanha de um rival", disse Ali Vaez, analista sênior de questões iranianas no International Crisis Group. "Propaganda negativa e fatos alternativos estão se propagando sem qualquer controle na mídia social, nesta campanha eleitoral".

Durante um debate na TV na semana passada, Mohammad Baqer Ghalibaf, prefeito de Teerã e candidato conservador que mais tarde abandonaria a campanha e declararia apoio a Raisi, anunciou que postaria documentos sobre sua renda no Telegram, para provar que não era corrupto.

"Os oponentes do governo se beneficiaram da mídia social", disse Shahrouz Afkhami, antigo legislador que fez parte de um comitê de questões sociais.

Mas mesmo que a linha dura esteja melhorando no uso da mídia social, facções poderosas como a Guarda Revolucionária (Forças Armadas iranianas) ainda a encaram como ameaça.

Na metade de março, uma dúzia de administradores de canais usados pelos reformistas no Telegram foram detidos pelos guardas, de acordo com organizações de defesa dos direitos humanos.

No final de abril., o Judiciário iraniano bloqueou o serviço de telefonia de voz fornecido pelo Telegram, a despeito dos esforços de Rowhani para mantê-lo em funcionamento.

"Enfatizamos que permitir o uso do serviço de voz do Telegram resultará em que não sejamos mais capazes de controlar coisa alguma", disse o vice-diretor de Inteligência da Guarda Revolucionária, Hussain Nejat, depois do bloqueio do serviço, de acordo com a Isna.

"Mas o presidente rebateu perguntando por que nos opomos a qualquer tecnologia que venha do Ocidente", ele acrescentou.

No final de fevereiro, Nejat anunciou que 157 canais obscenos do Telegram haviam sido "esmagados", de acordo com o site noticioso Tasnim.

"Os serviços de segurança da República Islâmica não gostam de coisas que eles não possam controlar", disse Roozbeh Mirebrahimi, jornalista e blogueiro iraniano que trabalhou para diversos jornais reformistas em seu país e hoje vive em Nova York.

"Há milhões de usuários do Telegram no Irã. Como controlá-lo? A não ser que ele seja fechado de vez. Essa é uma disputa que vem do passado e continuará", disse Mirebrahimi.

Mirebrahimi apontou que, no estilo que adotam para a mídia social, as duas facções —reformistas e conservadores— exibem senso de humor aguçado e um tom distintamente satírico.

"Pode-se ver essa cultura de sátira dos dois lados, na mídia social", disse Mirebrahimi. "Afinal, eles vêm da mesma sociedade".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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