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Opinião

Ditador sírio Assad precisa pagar pelo uso de armas químicas

Em agosto de 2013, o governo sírio usou armas químicas contra civis em seu país, causando um total estimado em 1.500 mortos, entrehomens, mulheres e crianças. O governo o fez desafiando as advertências internacionais de que uma ação como essa teria sérias consequências.

Na verdade, o governo David Cameron, no Reino Unido, e o governo Barack Obama, nos Estados Unidos, decidiram não cumprir essas ameaças, temendo que se o fizessem terminariam envolvidos em um conflito complicado e custoso na Síria.

Ammar Abdullah/Reuters
Homem é tratado com oxigênio após ataque com gás na cidade de Khan Sheikhoun, na Síria
Homem é tratado com oxigênio após ataque com gás na cidade de Khan Sheikhoun, na Síria

É raro que a História ofereça segundas chances, mas os Estados Unidos e outros países se veem exatamente nessa situação. Uma vez mais, o regime de Bashar al-Assad parece ter usado armas químicas contra seu próprio povo, com resultados devastadores.

Os motivos para que Assad tenha escolhido ordenar um ataque desse tipo agora, quando sua posição na Síria parece inatacável e poucos dias depois que o governo Trump sinalizou aceitar a realidade de seu domínio, parecem um tanto misteriosos.

Pode ser que ele não esteja confiante quanto à sua posição, apesar do que os observadores externos acreditam, ou pode ser que seu desejo fosse desencorajar quem quer que se imaginasse se opor à sua imposição de controle sobre territórios libertados do Estado Islâmico.

É importante que não permitamos que Assad escape impune. A norma contra o uso de armas químicas ou outras armas de destruição em massa perdeu força por conta da inação mundial quatro anos atrás
É essencial que ela venha a ser reforçada agora, não só por causa do futuro da Síria mas porque as decisões políticas de Teerã e Pyongyang serão influenciadas pelo que vier a ser decidido e feito agora.

Uma opção é um ataque a posições militares sírias, especialmente bases aéreas e aviões associados ao uso de armas químicas. Isso pode ser feito de longe, por meio de mísseis de cruzeiro e drones.

A forma mais efetiva de fazê-lo seria um ataque por aviões norte-americanos e europeus, mas isso agravaria o risco de um confronto com a Rússia que, ao lado do Irã, é o principal motivo para que o regime de Assad continue no poder.

Mas não devemos presumir que os russos optarão automaticamente por ações militares. O presidente russo, Vladimir Putin, pode hesitar em assumir uma postura desafiadora e arriscada, dados os problemas de sua economia e o ressurgimento dos protestos políticos em seu país.

Ele talvez venha a descobrir que seu interesse está em não alienar o novo presidente dos Estados Unidos, especialmente se lhe for informado que quaisquer ataques seriam limitados e não ameaçariam a viabilidade do regime de Assad.

A diplomacia também pode ter um papel a desempenhar, ainda que seja difícil encarar essa possibilidade com otimismo, diante das declarações de Moscou que imputam a culpa pelo aparente incidente químico recente aos rebeldes que combatem o governo sírio.

Ainda assim, uma escolha deveria ser oferecida a Putin: trabalhar com os Estados Unidos e a ONU para criar um governo de transição pós-Assad ou ver um ataque às forças armadas do governo sírio.

Outra abordagem seria oferecer capacidade reforçada de defesa antiaérea aos curdos da Síria e a grupos seletos da oposição sunita síria. Nenhuma dessas opções pode ser exercida sem riscos, no entanto, já que a primeira alienaria ainda mais a Turquia e a segunda poderia resultar em que armas caiam em poder das pessoas erradas.

Vale notar que será preciso fazer mais nos próximos meses para reforçar a posição dos sunitas locais, que precisam ser capazes de proteger as áreas da Síria libertadas de grupos terroristas. Oferecer armamento mais avançado seria essencial, portanto, se o objetivo é permitir que os sírios fiquem em suas casas ou retornem a elas.

Não há opção simples ou fácil. Isso não é novidade. Mas não agir pode ter consequências tão graves quanto agir. Para muita gente,no Oriente Médio e mais além, a inação diante do uso de armas químicas se tornou o momento que definiu a presidência de Barack Obama, despertando questões fundamentais sobre sua credibilidade.

Trump tem a oportunidade de se diferenciar de seu predecessor e mostrar que há um xerife novo na cidade. A primeira-ministra britânica Theresa May tem oportunidade semelhante. A história raramente oferece segundas chances. E a que surgiu agora não deveria ser desperdiçada.

Massacre químico na SíriaPrincipais ataques durante a guerra iniciada em 2011

RICHARD HAASS é presidente do Conselho de Relações Estrangeiras e autor de "A World in Disarray" (Um Mundo em Desordem)

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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