Folha de S. Paulo


Após extremistas proibirem música, radialista sírio toca sons de animais

Reprodução/YouTube
O radialista Raed Fares, da Radio Fresh, resiste a grupo extremista que domina Kafranbel, na Síria
O radialista Raed Fares, da Radio Fresh, resiste a grupo extremista que domina Kafranbel, na Síria

RESUMO A Radio Fresh, no vilarejo sírio de Kafranbel, foi proibida de transmitir canções. A música é pecaminosa, segundo a facção terrorista Jabhat Fateh al-Sham, que controla a região de Idlib, no noroeste do país.

Em protesto, o fundador da rádio decidiu incluir sons de animais no fundo de sua programação. "Tive que transmitir algo que mostrasse que não estamos vivendo sob circunstâncias normais", disse à Folha.

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Milicianos nos avisaram há anos de que a música estava proibida no rádio, de que era um pecado. Mas nós continuamos a transmitir.

Fomos obrigados a parar de trabalhar por cinco meses, em junho. Depois disso nos obrigaram a retirar a voz das mulheres dos programas. Transformamos elas em homens com a ajuda de um aplicativo no computador.

Em novembro passado voltaram a nos dar a ordem para não transmitir música. Dois meses depois disso, eu decidi colocar os ruídos de animais no fundo de alguns dos nossos programas.

Foi muito difícil, para mim, ter que parar de utilizar música à força, então precisei fazer alguma coisa contra a decisão deles. Tive que transmitir algo que mostrasse para as pessoas que nós não estamos vivendo sob circunstâncias normais.

Quando dei essa ideia, me disseram que era loucura. Mas é uma situação louca.

Talvez agora o público se pergunte o que está acontecendo e por que a música foi proibida. Talvez se questione por que a música é considerada pecado. Assim, pode haver um debate público.

Nós estamos acostumados à música, aqui, e não é um pecado. Nós ouvimos canções e vamos à mesquita.

SERIEDADE

Não utilizamos os sons de animais no rádio quando o assunto é sério. Nesse caso, incluímos outros ruídos, por exemplo, o barulho de portas se abrindo e fechando.

Encerramos os programas com um som de monitor cardíaco interrompendo as batidas, como no hospital. Tuuum tuuum tuuum. Como se disséssemos que vamos morrer, se ficarmos aqui.

As ordens são dadas pessoalmente. Já confiscaram nosso equipamento diversas vezes. Por exemplo, em janeiro de 2015. Nos atacaram, me detiveram por dias.

Antes disso, a facção terrorista Estado Islâmico estava aqui e, em novembro de 2014, eles atiraram em mim.

Não estou assustado, no entanto, eu preciso ser cauteloso, se quiser sobreviver.

PILHA

Eu criei a estação em junho de 2013 por causa da revolução. Começamos a ir às ruas em protestos com cartazes para informar as pessoas no Ocidente sobre o que estava acontecendo. Mas é preciso falar também com as pessoas que estão aqui.

Seria impossível fazer isso pela televisão, porque nós não temos eletricidade durante todo o dia. Então decidi fazer uma coisa diferente. Para ouvir rádio você só precisa de algumas pilhas.

Eu não tenho formação em comunicação. Sou um corretor de imóveis. Porém, como não há meios de imprensa livres na Síria, alguém precisa fazer algo.

Participei de três cursos em Gaziantep, no sul da Turquia, a partir de 2012. Confesso que não prestei atenção nos dois primeiros deles. Encarei aquilo como uma viagem, e não como treinamento. Mas aprendi no terceiro.

Antes de participar dos cursos, eu pensava que seria difícil ter uma estação de rádio, que eu precisaria de um prédio de seis andares com mil funcionários.

Então vi que era possível. Hoje temos 132 funcionários e 28 deles são mulheres. Somos financiados por doações e pelo apoio de organizações não governamentais.


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