Folha de S. Paulo


Afinidade entre Trump e Putin esbarra na geopolítica, dizem analistas

Andrew Harnik - 9.dez.2016/Associated Press
O presidente eleito Donald Trump em evento em Grand Rapids, Michigan
O presidente eleito Donald Trump em evento em Grand Rapids, Michigan

Passados 25 anos do fim do regime comunista, a Rússia de Vladimir Putin olha para um improvável aliado na busca de evitar repetir os erros que levaram à derrocada da União Soviética: o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.

Mas este cenário, que virou peça de propaganda contra Trump em seu país e lhe garantiu a alcunha de "marionete de Putin" pela rival derrotada Hillary Clinton, demanda mais cautela do que os sinais externos sugerem.

Estes são abundantes até aqui. O próximo secretário de Estado americano, responsável pela diplomacia do país, será um executivo de petroleira com laços públicos com o Kremlin, Rex Tillerson.

O próximo embaixador em Moscou deve ser um político pró-Rússia. O Pentágono deixou vazar um memorando no qual lista as prioridades de defesa de Trump e onde Rússia é a grande ausente.

Por fim, a longa lista de elogios trocados pelo russo e o americano. Para confundir o público, houve troca de ameaças de uma corrida armamentista nuclear entre ambos na semana passada.

Temperando o caldo, a acusação formal do governo Barack Obama de que Putin promoveu o ciberataque que teria prejudicado Hillary com o vazamento de e-mails do Partido Democrata.

Há mais complexidade na avaliação, que dependerá basicamente de aferir se o Trump da campanha irá continuar sendo o mesmo na cadeira de presidente. "Os interesses geopolíticos de EUA e Rússia seguem fundamentalmente opostos", diz George Friedman.

Um dos principais consultores de previsão geopolítica dos EUA, chefe da Geopolitical Futures, Friedman é cético sobre uma aproximação, lembrando que o presidente é apenas o elo mais visível de um sistema enorme. Além disso, apesar de "loucura" não definir relações internacionais, é sempre apontado o fato de que só a Rússia tem um arsenal nuclear comparável ao dos EUA.

Outros são mais alarmistas. Num artigo para o site da "Foreign Policy", Paul Miller aponta que a chegada de Trump irá animar Putin a repetir nos Estados bálticos com população russa expressiva a intervenção que fez na Ucrânia após anexar a Crimeia em 2014. Isso é refutado por quem vê os bálticos, por ser parte da Otan, como inexpugnáveis.

Mas é a ascensão não só de Trump, mas de nacionalismos dentro do bloco europeu, que parece dar a senha para a divisão entre aliados ocidentais. Em 2017, será possível ver se a onda continua ou não, a começar com a eleição francesa em abril.

Para o analista de defesa russo Ruslan Pukhov, que duvida de ação no Báltico, haverá uma mudança de ares com Trump, a começar pela tentativa de solucionar a guerra civil síria, na qual ambos intervêm.

"Como Trump sinaliza que não difere islamita radical de moderado, isso abre uma janela de oportunidade a Putin. Resta saber como ele a usará", afirma, citando o cipoal de grupos em combate na Síria, onde a Rússia apoia as tropas do governo do ditador Bashar al-Assad, enquanto Ocidente, Turquia e países árabes apoiam cada um uma fração dos rivais.

Pukhov, assim como a maioria dos analistas na terra de Putin, não vê contudo a proximidade propalada entre o russo e o americano. "Uma coisa é um elogio, outro é a política", diz.

O próprio porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, temperou a exaltação que fizera à "mesma política externa" dos dois líderes com comentários sobre a dificuldade de remendar o fosso criado nos últimos anos entre os países.

Segundo disse à Folha, sob condição de anonimato, um integrante do governo russo em Moscou, a impressão é a mesma no Kremlin. Mesmo o ciberataque russo é visto por Friedman como forma de colocar Trump sob pressão de saída, antes de mais nada.

O funcionário russo vê, por outro lado, ganhos possíveis para Moscou no campo das sanções impostas pelo Ocidente desde que Putin anexou a Crimeia, que vêm dificultando a situação econômica russa junto à baixa no preço do petróleo e gás.

O próprio Tillerson já criticou o embargo, talvez porque há um mercado bilionário de petróleo russo para empresas como a ExxonMobil que ele dirigiu até aqui. Ao fim, talvez sejam interesses específicos que moldarão o quanto Trump estará perto de Putin.


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