Folha de S. Paulo


Cubanos mantêm normalidade, mas emoção aflora com menção a Fidel

Havana vive clima de resignação pela morte de Fidel Castro. Nas ruas da capital cubana é comum se ouvir frases como "temos que seguir adiante" e "é a lei da vida".

A notícia da morte de Fidel se espalhou lentamente por Havana. O acesso restrito à internet fez com que muitos cubanos e turistas só soubessem da morte do ditador na manhã deste sábado (26).

Trinidad, uma cidade histórica e turística a 316 km da capital Havana, também amanheceu com aparente normalidade. A população não deixou de trabalhar, e os comerciantes abordam os turistas oferecendo serviços como em qualquer outro dia.

Contudo, festa, música e bebidas —parte das atrações da cidade colonial do século 16 e hoje patrimônio mundial da Unesco— estão suspensas devido ao luto de nove dias.

Carolina Linhares/Folhapress
Praça na cidade colonial de Trinidad, a 320 km de Havana, onde os serviços do governo funcionam normalmente, mas festas e música foram suspensas
Praça de Trinidad, onde os serviços do governo funcionam, mas festas e música foram suspensas

As homenagens oficiais terão início na segunda (28).

Na quarta-feira (30), as cinzas de Fidel deixarão Havana para uma carreata por 13 províncias (das 15) e cerca de 1.000 km, até Santiago de Cuba, onde serão enterradas no próximo domingo (4).

O pronunciamento de Raúl Castro sobre a morte do irmão foi marcado pela frase emblemática "hasta la vitória siempre", que deu o tom de continuidade do legado de Fidel.

Após a notícia, bares e boates foram fechados na capital. Cubanos relataram que a polícia passou pelo Malecon (o beira-mar) mandando as pessoas irem para casa.

Na Universidade de Havana, centenas de estudantes celebraram o regime, gritando "Viva Fidel e Viva Raúl".

Apesar de o país ter uma divisão entre os que comemoram e os que choram a morte do ditador, a esperança de mudança atinge a todos.

A guia turística Eliane (que prefere não dar o sobrenome) é uma das cubanas que acreditam que a situação da ilha pode ser transformada.

"Acredito que as coisas irão mudar para melhor a partir de agora, que uma nova história começa em Cuba", afirmou ela, em Havana.

Enquanto alguns comemoravam pelas ruas, outros lamentavam a morte do ditador, visto como herói por parte da população, principalmente pelas pessoas mais velhas, que viram de perto este trecho recente da historia.

Os cubanos mais jovem carregam uma mentalidade menos romântica da revolução e reclamam do isolamento em que vivem. É comum andar pelas ruas e encontrar pessoas vestindo o símbolo americano dos pés à cabeça e ver placas nas casas contra o embargo.

EMOÇÃO

Se a comoção não ecoa claramente pelas ruas de Trinidad, a perda do "comandante" se faz sentir quando os cubanos tocam no assunto.

Aos 70 anos, Maria Fernandez, que aluga quartos para turistas, limpava a janela de casa ao ser abordada pela reportagem da Folha.

"Perdemos o farol da América e do mundo. Foi ele que deu aos pobres o direito à vida", diz enquanto começa a chorar de emoção.

"Mas agora os pobres, os índios e os negros estão de pé", completa, afirmando que a luta continua mesmo sem Fidel —mote compartilhado pela maioria.

Antes camponesa, Fernandez mostra sua casa e diz: "Isso é a revolução".

Em 1961, dois anos depois do triunfo da revolução, ela se dedicou a alfabetizar cubanos do interior do país. A erradicação do analfabetismo e o acesso a educação e saúde foram citados pelos cubanos ouvidos pela Folha como o grande legado de Fidel.

"Ele também deu igualdade a brancos e negros", diz Margarita Matamoro, 59, responsável por varredores de rua e que recebe do governo cerca de 700 pesos cubanos (aproximadamente R$ 100 por mês).

Segurança de uma fábrica de charutos, Carlos Alberto González, 47, diz esperar que alguém mais jovem assuma o governo e mantenha as ideias de Fidel. "Era muito humano, querido por todo mundo", afirma ele, embora reclame do salário de R$ 150.

Um homem de 30 anos que não quis se identificar afirmou que planeja viajar a Havana para as homenagens. Dono de uma casa que aluga para turistas e com uma renda de R$ 760, ele diz que o povo está em choque e que a juventude também está impactada.

Carolina Linhares/Folhapress
Carlos Alberto Rusindo González, 47, segurança de uma fábrica de charutos e para quem Fidel Castro é um ídolo
Carlos Alberto González, segurança de uma fábrica de charutos e para quem Fidel Castro é um ídolo

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