Folha de S. Paulo


Ampla coligação distancia Portugal de 'onda' da direita

Apelidada de "geringonça" devido à maneira um tanto improvisada como foi criada, a coalizão liderada pelo primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista, completa neste sábado (26) um ano no poder em Portugal.

Na contramão de tendências de ascensão da direita na Europa e América Latina e embalada por discreta melhora econômica, a esquerda segue em alta no país.

Jose Manuel Ribeiro/AFP
Premiê António Costa (esq.) ao lado de dois ministros em debate sobre orçamento de 2017
Premiê António Costa (esq.) ao lado de dois ministros em debate sobre orçamento de 2017

"Poucos acreditavam que este governo fosse durar sequer um ano", diz André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

O acadêmico, assim como outros analistas, considera que a longevidade da "geringonça" se deve a uma combinação de fatores, com destaque para a boa capacidade de articulação do primeiro-ministro para lidar com os problemas internos e externos.

Derrotado nas eleições parlamentares de 2015 pela coligação de centro-direita que governava o país nos quatro anos anteriores, António Costa e o Partido Socialista conseguiram articular um acordo pós-eleitoral que formou uma coalizão de esquerda e derrubou um segundo mandato do então premiê, Pedro Passos Coelho (PSD).

Embora prevista na Constituição, a manobra nunca havia sido usada no país.

Para governar, os socialistas se juntaram a dois partidos de posições mais radicais: o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, além de legendas de menor expressão.

Para Alves, embora a junção de partidos de espectros tão diferentes seja uma fragilidade da "geringonça", é também um motivo que favorece o equilíbrio do governo.

"Nenhum dos partidos quer ser apontado como o responsável pelo fracasso do governo. E, com o acordo, Costa conseguiu impedir a radicalização do discurso da esquerda, que não pode criticar tanto medidas do governo porque também o integra."

Enquanto a administração anterior investiu em medidas de austeridade –como aumento de impostos e corte de feriados–, a coalizão de esquerda assumiu prometendo diminuir o arrocho no país.

A ascensão e manutenção do poder da esquerda em Portugal contrasta com o avanço da direita na região, como a França e a Alemanha, que em breve realizarão eleições.

"Realmente, quando se compara o cenário europeu de maneira ampla, há um crescimento forte da direita. Mas Portugal e toda a Europa do sul, por razões que incluem suas próprias questões internas, têm presença da esquerda", explica Alves, destacando o governo do Syriza na Grécia e o crescimento do Podemos na Espanha.

Antes criticado por organismos europeus e de fora do bloco, Portugal tem ensaiado uma volta por cima, ainda que não se saiba o quão sustentável seja. Em novembro, o governo comemorou o maior crescimento da zona Euro no trimestre e o fato de a Comissão Europeia ter desistido de aplicar sanções ao país por excesso
de deficit.

Em um balanço sobre seu um ano no poder, Costa deixou o recado de que pretende passar bem mais tempo no cargo de premiê, dizendo que tem "a ambição de uma agenda para a década".


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