A viagem é longa, com quase 1.400 quilômetros ida e volta, mas foi a solução encontrada pelo geólogo venezuelano Juan Martínez, 28, para pagar as contas de casa.
Ele pega sua caminhonete, deixa Puerto Ordaz a vai a Pacaraima fazer compras de produtos básicos para revender em seu país, especialmente arroz.
Para não correr o risco de ser assaltado –e, também, aproveitar um câmbio melhor– já chega à cidade brasileira com a encomenda paga. Mas, como outros venezuelanos que abandonaram suas profissões para viver como intermediários na venda de alimentos como arroz, feijão e açúcar, teme ter a carga saqueada ao voltar ao seu país.
"Lá não está sendo possível sobreviver, a Venezuela está falida e a única forma é tentar fazer isso", disse ele.
Por um fardo de 30 quilos de arroz de segunda qualidade, paga cerca de R$ 100 e revende a até R$ 130. A viagem longa compensa, pois a gasolina é barata na Venezuela. O medo de ataques faz muitos deles viajarem em comboio.
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Cambista brasileiro troca bolívares por reais em estrada que liga Santa Elena Uairén com Pacaraima |
"A violência cresceu muito em Pacaraima. Até homicídio já teve depois da chegada em massa dos venezuelanos. Outro dia roubaram oito fardos de dinheiro", diz o lojista brasileiro Hélio Dantas.
Na cidade, farmácia, bares e lojas de roupas incluíram alimentos buscados por venezuelanos nas prateleiras.
Há quem atue na Venezuela e abriu negócio no município, como Rabi Barakat, 38. "A avalanche começou há seis meses. Sumiram das lojas lá, apareceram aqui", disse ele.
O estabelecimento, alugado, deve funcionar enquanto o fluxo de venezuelanos for grande como o atual ou até que fique "impossível" converter bolívares por real.
"Acabou o real na cidade, não tem para trocar e, quando a gente acha, está com a cotação muito alta, não compensa." Como seu público é majoritariamente estrangeiro, todos compram com bolívares, o que o obriga a buscar real com cambistas que também passaram a atuar em massa na cidade fronteiriça.
Se, em 2008, segundo comerciantes da cidade, um real valia cinco bolívares, há dois meses a relação passou a ser de um para 350. "E, agora, está acima de 600, até 650, é irreal", disse Barakat.
Num supermercado da cidade, uma caixa estava abarrotada de notas que só fazem volume: representavam pouco mais de R$ 300. No marco da fronteira entre os dois países, a Folha encontrou cerca de dez pessoas trabalhando com câmbio. Todas informais, atuam em média dez horas por dia para amealhar cerca de R$ 2.000 mensais.