Folha de S. Paulo


Serra diz esperar que 'jogo' de Trump seja melhor que 'treino' na campanha

Três meses depois de dizer que a vitória de Donald Trump nos EUA seria um "pesadelo", o ministro José Serra (Relações Exteriores) disse esperar que o "jogo" do republicano seja melhor que o "treino", em referência a promessas polêmicas que o bilionário fez durante sua campanha.

Serra disse que as declarações feitas durante a campanha, tanto pelos candidatos como por observadores políticos do mundo inteiro, lembrariam uma frase do ex-jogador da seleção brasileira de futebol Didi. "Treino é treino, jogo é jogo. E o jogo começa agora", disse o tucano.

O próprio chanceler fez avaliações com antecedência sobre as eleições americanas. Em entrevistas em junho e julho, Serra disse "nem pensar" na hipótese de o republicano vencer a disputa à Casa Branca e que "todos os que querem o bem do mundo" deveriam apoiar a candidata democrata, Hillary Clinton.

Nesta quarta (9), o presidente Michel Temer disse que a vitória do bilionário "não mudaria em nada" a relação com o Brasil, considerada pelo peemedebista como "institucional".

Temer enviou um telegrama a Trump em que desejou "pleno êxito" a ele e disse estar certo de que os dois países trabalharão juntos para estreitar "laços de amizade e cooperação".

ATRASO NA RETOMADA

Nos bastidores do Planalto, porém, a eleição de Trump causou preocupação. A avaliação de auxiliares de Temer é que a mudança na Casa Branca pode atrasar a retomada de um crescimento econômico no Brasil em 2016. Isso porque empresários vão "evitar investimentos de risco", e o mercado brasileiro pode ser um dos prejudicados.

Na semana passada, integrantes do Itamaraty se reuniram para discutir a possibilidade de uma vitória de Trump, que então não tinha mais que 30% de possibilidade de acontecer, segundo projeções. A conclusão foi que, embora declarações de Trump em relação a política externa sejam recebidas com cautela, o Brasil não está no centro de nenhuma das guerras declaradas pelo republicano. O país tem deficit comercial com os EUA, portanto não seria alvo óbvio de sanções comerciais, como as previstas contra a China. O Brasil tampouco é grande fonte de imigrantes ilegais, embora o número tenha crescido.

Uma área em que haveria efeitos negativos é o acordo de mudança climática, uma das prioridades do Brasil, que é rechaçado e pode ser revisto por Trump.

O processo de normalização de relações com Cuba deve se manter, na visão de analistas e diplomatas, embora possa se tornar um pouco mais lento, para evitar conflitos com os republicanos de origem cubana, francamente contra a abertura.

"Precisamos ver qual vai ser o efeito da eleição dele para a economia americana e mundial; se houver um aumento grande do protecionismo, pode ser muito prejudicial", diz Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute do Wilson Center.

Um dos efeitos esperados é o impasse na negociação da Parceria Transpacífico —que tampouco seria rápida em um governo Hillary.

"A onda protecionista mundial nos preocupa, mas adiar a TPP não é de todo ruim, isso nos daria mais tempo para nos prepararmos e eventualmente entrarmos na negociação do acordo", diz o embaixador em Washington, Sergio Amaral. "Seria uma decorrência natural da reativação do Mercosul, levá-lo a se estender para o Pacífico."

Um dos cotados para assumir como secretário de Estado no governo Trump, cargo equivalente a ministro das Relações Exteriores, é Newt Gingrich, que foi líder da Câmara durante o processo de impeachment de Bill Clinton. Mas, como Trump não tem tradição política nem acadêmica, há forte mistério sobre a composição de sua equipe.

"Ele terá de remendar as relações com a América Latina, e conhecer a região, que ele não conhece", diz Kellie Meiman, sócia-gerente da consultoria McLarty Associates.


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