Folha de S. Paulo


Com eleições presidenciais, maconha vai a voto em 9 Estados dos EUA

"Precisa de uma boa noite de sono? Ou ficar alerta e criativo? Talvez seja um introvertido e queira se soltar?" Mistura de barman e farmacêutico, Michael, 25, recebe com um sorriso quem desce as escadas que levam ao lobby em estilo oriental do Centro de Bem-Estar LoDo, no centro de Denver, capital do Colorado (centro-oeste dos EUA).

Ele é um dos cerca de 500 "dispensários" da cidade, como são conhecidos os estabelecimentos que vendem maconha para uso medicinal e recreativo. O LoDo fica no subsolo, mas não à margem da lei. O Colorado é um dos quatro Estados americanos que aprovaram a legalização da maconha para uso recreativo, além do Distrito de Columbia, onde fica a capital.

Os entusiastas torcem para que o exemplo do Colorado seja seguido nas eleições de 8 de novembro, quando outros nove Estados decidirão, junto com o voto para presidente, se tornam a maconha legal.

No LoDo, tipos variados de maconha são exibidos em potes, ao lado de derivados da erva, de loções a comestíveis. Em média, o grama custa US$ 20 (R$ 63). A primeira coisa que Michael explica é que há dois tipos de cannabis (nome científico da maconha): indica e sativa.

A primeira é relaxante, a outra "te põe para cima". A entrada só é permitida para maiores de 21 anos, com atendimento separado a clientes médicos e recreativos.

Há gente de todas as idades, diz Matthew Aragon, 27, gerente da "superloja" Oasis, que se orgulha de ter a maior seleção de cannabis do mundo. "Professores, executivos, enfermeiros, vem gente aqui muito além do estereótipo do consumidor de maconha."

À disposição do cliente há opções como "abacaxi expresso", "sonho azul", "biscoito de escoteiras", entre mais de cem tipos de maconha, cada um batizado por quem a cultivou e com selo de origem. Pela lei, a erva deve ser plantada no Estado, para incentivar a economia local.

Desde que seu uso recreativo foi legalizado no Estado, em 2012, a maconha virou uma indústria de peso para o Colorado, com vendas que devem superar US$ 1 bilhão (R$ 3,1 bilhões) neste ano.

Denver entrou no mapa de apreciadores e passou a ser chamada de "a nova Amsterdã", mas a atmosfera é diferente. Na cidade holandesa, o uso é social, a maconha é vendida em cafés, onde o cliente pode fumar e beber.

No Colorado, o comércio é livre, mas o consumo público é proibido. De olho no novo mercado, já há hotéis em que o fumo é liberado, para atrair o turismo da maconha.

"Pela primeira vez na vida me sinto livre", exultava um turista do Texas, que pediu para não ter o nome revelado, enquanto examinava com olhar encantado a variedade de cannabis à sua frente.

Metade dos 50 Estados americanos já legalizou a maconha medicinal, e a tendência iniciada pelo Colorado de ampliar a liberalização é irreversível, avalia o empresário Jordan Lewis, dono da Silverpeak Apothecary, em Aspen, que vende maconha para usos medicinal e recreativo. Pesquisa divulgada há poucos dias pelo instituto Gallup mostrou que 60% dos americanos apoiam a legalização, o maior índice já registrado.

"Não há mais volta. No Colorado só tivemos resultados positivos", disse, pouco após chegar do Uruguai, onde teve encontros com o governo para ajudar no processo de legalização no país.

Um estudo da Drug Policy Alliance (DPA), organização que defende a regulamentação das drogas, indica que o consumo entre adolescentes e o número de acidentes de trânsito permaneceram inalterados desde a legalização.

As prisões por porte de maconha caíram pela metade, corrigindo em parte a discriminação racial, apontada pelos defensores da legalização, de que parcela desproporcional dos presos é de negros.

O impulso econômico foi confirmado pelo estudo, com uma arrecadação anual média de US$ 129 milhões em impostos do setor.

Denver parece ter absorvido sem muitos traumas o posto de capital nacional da maconha, encabeçando uma transformação social em que o uso da erva passa a fazer parte da cultura de massa como um "novo normal".

Há, no entanto, os que não concordam com a legalização, alegando que a mudança aumentou o número de moradores de rua e tornou o trânsito mais perigoso.


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