Folha de S. Paulo


Ataques de piratas disseminam medo pelos mares do Sudeste Asiático

Sembara Oktafian estava na casa das máquinas de um rebocador, indo para as Filipinas, quando ouviu algo anormal.

Gritos e disparos soaram do convés. Homens armados tinham abordado a embarcação, e sua mensagem era clara: venham conosco ou nós os mataremos. Eles atiraram em um tripulante e sequestraram quatro outros.

"Eram homens de aparência assustadora que carregavam fuzis AK-47", contou Sembara. "Pensei que iam matar todos nós, mas apenas sequestraram meus amigos."

O ataque aconteceu em abril no mar de Celebes, ao sul das Filipinas.

Xinhua
Pescadores indonésios mantidos reféns pelo grupo terrorista Abu Sayyaf, que atua nas Filipinas, são libertados
Pescadores indonésios mantidos reféns pelo grupo terrorista Abu Sayyaf, das Filipinas, são libertados

Não foi um incidente isolado, nem sequer algo fora do comum. Hoje o Sudeste Asiático é a região do mundo onde ocorrem mais ataques a embarcações marítimas, mais ainda que no Chifre da África, segundo o Escritório Marítimo Internacional. Os governos da região estão procurando meios para combater o problema.

"Os ataques na Somália diminuíram", disse Noel Choong, diretor do centro de denúncias de pirataria do Escritório em Kuala Lumpur, capital da Malásia. "Na Nigéria a incidência de pirataria ainda é alta, mas não tanto quanto na Ásia."

Em 2015, depois de uma operação multinacional de segurança na região do golfo de Aden e do mar Vermelho próxima à Somália, não houve nenhum ataque pirata nessa região, mas 178 no sudeste da Ásia, segundo o Escritório.

GRUPO TERRORISTA

A entidade também informou que no primeiro semestre deste ano o Sudeste Asiático foi palco mais de mais de um terço dos 98 ataques e tentativas de ataques de piratas ocorridos no mundo.

Os homens que atacaram o rebocador, embarcação de bandeira indonésia que rebocava uma barcaça de carvão, foram identificados mais tarde como integrantes do Abu Sayyaf, grupo extremista baseado no sul das Filipinas e que há mais de duas décadas comete sequestros para pedir resgates. O grupo também jurou lealdade à milícia terrorista Estado Islâmico.

O Abu Sayyaf é responsável pela maioria dos sequestros cometidos no mar no sudeste asiático, mas vários outros grupos criminosos também operam nessas águas.

Entre março e agosto, o Abu Sayyaf sequestrou 25 marinheiros indonésios e seis da Malásia em ataques lançados em rotas comerciais usadas por barcaças de carvão no arquipélago de Sulu. Desde seus ataques mais recentes, o grupo extremista ainda mantém reféns nove marinheiros indonésios.

Alarmadas com a onda de sequestros cometidos para exigir resgates, Indonésia, Malásia e Filipinas concordaram em maio em conduzir patrulhas coordenadas de segurança naval no arquipélago de Sulu e criar uma linha de comunicações de urgência entre elas.

Em agosto, os três países concordaram que as forças de segurança marítimas de qualquer um deles poderão perseguir sequestradores e assaltantes armados no território de qualquer um dos três.

"A ideia é que o barco de patrulha que estiver mais próximo adote a ação que for necessária", explicou Arrmanatha Nasir, porta-voz do Ministério do Exterior indonésio.

Em maio a Marinha indonésia impediu o sequestro de um navio petroleiro por piratas ao largo da costa sudoeste de Bornéu e prendeu nove suspeitos. Mas, segundo relatório recente da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, os ataques a petroleiros tornaram-se menos frequentes com a queda dos preços globais do combustível.

Em vez disso, muitos piratas miram navios que transportam cargas comerciais valiosas que podem ser vendidas no mercado negro, como o azeite de dendê não processado.

PRINCIPAL ALVO

Os sequestros recentes preocupam o governo indonésio em Jacarta, especialmente porque rebocadores indonésios vêm sendo os alvos principais dos militantes do Abu Sayyaf.

A Indonésia orquestrou a libertação de dez marinheiros sequestrados pelo Abu Sayyaf no final de março e mantidos em cativeiro por quase dois meses.

Segundo a mídia indonésia, o governo teria pago resgate de mais de US$ 1 milhão. Dias depois disso, o Abu Sayyaf atacou o T.B. Henry, o rebocador em que Sembara estava. Este e cinco outros marinheiros a bordo, incluindo o homem baleado e ferido, foram deixados para trás. Apenas quatro tripulantes foram sequestrados, porque não havia espaço para mais pessoas na lancha dos piratas.

O Abu Sayyaf atacou outro rebocador em junho no mar de Sulu, sequestrando sete marinheiros indonésios. Em agosto, depois de serem ameaçados de decapitação, dois dos reféns escaparam a nado da ilha separatista filipina de Jolo, a base principal do Abu Sayyaf. Eles foram resgatados.

Há quem duvide que os acordos de segurança pactuados recentemente para enfrentar os sequestros serão eficazes ou que os países vão cumprir suas promessas de cooperação.

Zachary Abuza, professor do National War College, em Washington, é especialista em questões de segurança do Sudeste Asiático. Ele acha que os acordos não vão satisfazer o governo indonésio.

"Estão tentando há vários meses lidar com esse problema, mas a coisa não dá certo porque há uma desconexão entre os países e faltam vontade e capacidade políticas", disse Abuza. "Esses países têm poucas maneiras de defender seus territórios, o que os torna muito inseguros."

Isso não anima os diretores de empresas de transportes marítimos, como Suharjono, gerente de operações da Global Trans Energy International Jakarta, proprietária do T.B. Henry.

Os quatro tripulantes sequestrados do rebocador foram libertados depois de 25 dias. A empresa disse que não foi pago resgate, mas a mídia local especulou que teriam sido pago resgates por todos os marinheiros indonésios e malaios libertados.

"Minha tripulação continua traumatizada", disse Suharjono, que, como muitos indonésios, tem um nome apenas. "E a situação de segurança só está piorando."

Tradução de CLARA ALLAIN


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