Folha de S. Paulo


Sarkozy enfocará islã e identidade nacional francesa em sua candidatura

AFP
O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, durante discurso em Paris
O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, durante discurso em Paris

Para Nicolas Sarkozy, colocar a política da identidade nacional ao centro de sua campanha presidencial funcionou bem em 2007, mas teve o efeito inverso em 2012. Nesta semana, quando lançou uma nova tentativa de chegar à Presidência, ele aposta que a mesma estratégia lhe dará uma vantagem em um país assustado com o terror islâmico.

Em "Tout pour la France" (Tudo pela França), livro de 232 páginas a ser lançado nesta quarta-feira (24), o ex-presidente francês dedica um capítulo inteiro à identificação do que ele acredita ser uma das ameaças ao modo de vida francês: o islã.

"Vamos dizê-lo sem qualquer polêmica: não é com as religiões que a República tem dificuldades hoje, mas com uma delas que não fez o necessário e inevitável trabalho de se integrar", escreve o político de 61 anos.

A Igreja Católica (da qual ele é membro) passou por essa transição muito tempo atrás, escreve ele, e foi dolorosa: o Estado secular francês teve que expulsar 5.000 padres católicos no início do século 20. "Precisamos fazer o mesmo trabalho com o islã, que não pode eximir-se das normas que as outras religiões respeitam perfeitamente", conclui ele.

Sarkozy também reafirma no livro uma visão econômica que inclui incentivos fiscais para famílias e empresas e reformas liberalizantes. Mas é em relação ao islã e seu lugar em um país secular –e às questões relacionadas da imigração, segurança e autoridade– que ele se destaca na corrida pela candidatura presidencial pela centro-direita, em novembro.

Editoria de Arte/Folhapress

São temas que sempre foram enfatizados por Sarkozy, desde a época em que ele foi ministro do Interior, de 2002 a 2007, mas que foram ampliados. Em 2003, por exemplo, Sarkozy criou um conselho Islâmico Francês, em um esforço para impor uma estrutura mais institucional à segunda maior religião do país.

Ele escreve agora que a organização, criticada por não representar corretamente os estimados 5 milhões de muçulmanos da França, terá que ser fortalecida.

Depois de chegar à Presidência, em 2007 –algo que conseguiu em parte por ter atraído eleitores da Frente Nacional, de extrema direita–, o político veterano cumpriu uma das principais promessas que tinha feito em sua campanha: criar um Ministério da Identidade Nacional para lidar com as questões espinhosas da integração. A pasta foi abandonada em 2010, quando a crise da zona do euro ganhou precedência sobre ela.

As medidas que Sarkozy defende hoje incluem a proibição do véu islâmico em universidades, na administração e em locais de trabalho, e o endurecimento dos critérios de reunificação familiar para imigrantes e das condições para a concessão de cidadania.

São marcadores tradicionais da direita, sugerindo que Sarkozy desistiu de tentar atrair eleitores centristas nas primárias, diz Bruno Cautrès, professor de ciência política no Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Em vez disso, o que Sarkozy está fazendo é empurrar seu rival principal na disputa pela candidatura da centro-direita, Alain Juppé, ex-primeiro-ministro conservador que agrada aos eleitores mais centristas, para terreno mais escorregadio.

Juppé desenvolveu o conceito de "identidade feliz" e advoga uma versão menos confrontante de secularidade. Apesar de ele ter liderado as pesquisas de opinião feitas antes do verão, Sarkozy agora parece estar ganhando ímpeto.

"Depois deste verão, dos ataques terroristas de julho e da controvérsia em torno do burquíni, Alain Juppé pode soar ultrapassado", diz Cautrès.

Em 2007, o fato de ter pendido para a direita permitiu a Sarkozy mobilizar a linha dura de seu partido, cujos membros são os que mais saem para votar em primárias, e desviar votos do líder de extrema-direita Jean-Marie le Pen.

Cinco anos mais tarde, porém, isso parece ter desagradado a muitos eleitores centristas no segundo turno da eleição presidencial, ajudando o líder socialista François Hollande a sair vitorioso.

Os partidários de Sarkozy argumentam que a crise financeira e o fato de ele ser o presidente na época foram fatores maiores em sua derrota. Eles apontam também para a margem estreita da vitória de Hollande. Em 2017, eles notam, "Sarko" vai se beneficiar da fraqueza do presidente socialista e das divisões na esquerda.

Mas a maior transformação no cenário eleitoral neste ano é a probabilidade de que a filha e sucessora de Jean-Marie Le Pen, Marine Le Pen, qualifique-se para o segundo turno eleitoral, diz Laurent Bouvet, professor na Universidade Versailles. Alguns dos argumentos de Sarkozy inevitavelmente vão coincidir com alguns de Le Pen, mas apenas a líder da FN poderá prometer uma quebra com o passado.

"Sarkozy está mais sintonizado com o clima reinante no país, mas a dúvida é: 'Será que não está tarde demais?'", pergunta Bouvet. "Marine Le Pen não terá dificuldade em apontar para os erros cometidos por Sarkozy quando esteve no poder."

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página:

Links no texto: