Folha de S. Paulo


Portugal muda acesso a serviços e aperta cerco contra imigrantes ilegais

Portugal está fechando o cerco contra os imigrantes ilegais. Sem alarde, o governo mudou procedimentos que dão acesso à saúde pública, à segurança social e, principalmente, à possibilidade de regularizar a documentação de quem chegou como turista e ficou para trabalhar.

Por serem a maior comunidade de imigrantes —22,1% do total de estrangeiros legalizados, segundo os últimos números oficiais—, os brasileiros são os mais afetados.

Horacio Villalobos - 25.abr.2016/Getty Images
Imigrantes protestam contra o governo português em manifestação em Lisboa, em 25 de abril
Imigrantes protestam contra o governo português em manifestação em Lisboa, em 25 de abril

Além de terem tornado o processo mais rígido, as autoridades também intensificaram a fiscalização.

Até aqui, a regularização de imigrantes irregulares em Portugal era uma das mais fáceis da União Europeia. Grosso modo, bastava que o imigrante —mesmo sem o visto adequado— conseguisse um contrato de trabalho com uma empresa portuguesa e que esse empregador o inscrevesse na segurança social.

Após seis meses de contribuição, mesmo sobre o salário mínimo, o trabalhador conseguia dar entrada em uma permissão de residência vinculada ao trabalho.

Foi justamente essa dinâmica que mudou. As regras faziam parte de um emaranhado de resoluções internas que se sobrepunham à legislação em si. Em março, uma decisão do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) revogou resoluções anteriores, fazendo valer exclusivamente o que está expresso na lei. Com isso, a "janela" de regularização através do contrato de trabalho se fechou.

A deputada Sandra Cunha, do partido Bloco de Esquerda, criticou a maneira como as mudanças foram feitas.

"As regras foram mudadas no meio do jogo, sem aviso e com efeitos retroativos. O que a lei pede é que as pessoas já cheguem com o visto e com contrato de trabalho. Ninguém vai contratar alguém que não conhece e a milhares de quilômetros de distância."

PRECARIZAÇÃO

As mudanças, iniciadas na Segurança Social e no SEF, estão se estendendo para outras áreas, segundo relatos de imigrantes. O acesso ao NIF (número de identificação fiscal, equivalente ao CPF brasileiro) e à inscrição nos centros públicos de saúde, antes relativamente simples, agora estão cada vez mais difíceis para os não regularizados.

"É a precarização da vida. As pessoas ficam sem acesso a uma série de direitos", avalia a deputada Sandra Cunha.

A mudança pegou de surpresa e, como não foi divulgada por nenhum comunicado oficial, gerou confusão.

O brasileiro Antônio Junior, que tem no YouTube o canal "O Zuca que virou Tuga" —dirigido à imigração brasileira— diz ter recebido cerca de 200 e-mails e mensagens diárias pedindo aconselhamento. "Muita gente tem sofrido, famílias inteiras que vieram para cá e que venderam tudo no Brasil, e agora não sabem o que fazer."

O Ministério da Administração Interna afirmou que as mudanças tiveram o objetivo de repor a "legalidade" dos requisitos à imigração e negou que os novos procedimentos tenham diminuído a margem de regularização para os imigrantes que vivem e trabalham em Portugal.


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