Folha de S. Paulo


Só referendo desarma bomba-relógio na Venezuela, diz líder opositor

Se os venezuelanos não forem consultados ainda neste ano sobre a permanência no poder de Nicolás Maduro, haverá uma revolta violenta, diz o líder opositor Henrique Capriles, articulador da campanha por um referendo revogatório contra o presidente.

Governador do Estado de Miranda e ex-candidato à Presidência, Capriles prevê que o governo acabará obrigado a ativar o referendo, que autoridades hoje buscam impedir ou adiar até 2017.

Novas eleições só seriam convocadas se a consulta ocorresse (e o "sim" vencesse) ainda em 2016. Caso contrário, o vice de Maduro, Aristóbulo Istúriz, completaria o mandato, que expira em 2019.

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Folha - Como vê a possível aplicação da Carta Democrática da OEA contra a Venezuela?

Henrique Capriles - Isso pressupõe uma votação, e ninguém sabe se há votos suficientes. Mas o importante é que está surgindo uma consciência geral da crise na Venezuela. Temos a inflação e a escassez mais altas do mundo.

Das dez cidades mais perigosas do planeta, três estão na Venezuela. O mundo percebe que precisamos de uma solução, pois a alternativa é uma explosão social com possível levante militar ou golpe de Estado. Nada disso resolveria a crise. Por isso insistimos no referendo.

Sem pressão externa não haverá referendo?

Maduro depende da comunidade internacional porque a renda petroleira é insuficiente [para financiar o país]. A China acaba de oxigenar o pagamento de capitais até o próximo ano, mas ressaltou que qualquer novo empréstimos terá de passar pela Assembleia Nacional [dominada pela oposição].

A opinião internacional deve fazer o governo entender que não se pode fechar a via democrática. A Carta deixaria Maduro mais só. Mas isso não muda governo. O que muda governo é eleição.

Mas Maduro está bloqueando o caminho para o referendo.

O país precisa de uma válvula de escape democrática. A escassez em junho será ainda mais crítica porque a matéria prima acabou, açúcar, azeite, alimentos básicos. Faltam todo tipo de remédios. A Venezuela é uma bomba-relógio.

A alta do petróleo não beneficia o governo?

Nem um barril a US$ 100 taparia o buraco. De todo modo, não voltará a US$ 100 [hoje paira em US$ 49].

Ajudaria se a oposição mobilizasse mais gente?

Mais importante que o volume é a constância das mobilizações. Quando propus o referendo, em fevereiro, o projeto tinha 40% de apoio e eu estava sozinho. Hoje tem 70%, e o apoio na oposição é unânime. Não há multidão nas ruas porque entre comprar comida e se manifestar, é evidente que vou comprar comida.

Nosso desafio é fazer com que estas filas se tornem uma expressão política e que as pessoas clamem não só por comida mas também pelo referendo. Várias condições estão se conjugando para chegarmos ao ponto em que ou haverá referendo ou uma explosão social que não convém nem ao governo, pois pode varrer tudo pela frente.

O diálogo com o governo na República Dominicana, no último fim de semana, foi útil?

Não passou de um show para acalmar a opinião externa. Um dos maiores problemas desta chamada revolução é a destruição da cultura do diálogo. O governo não faz política. Na Espanha todos se atacam duramente, mas dialogam democraticamente. Aqui só vemos atropelos sustentados por eleições.

Como assim?

Hugo Chávez (1999-2013) vivia organizando eleições até que elas começaram a dar resultados mais apertados. Aí baixaram o ritmo das eleições até chegarmos a Maduro. As pessoas se expressaram na eleição parlamentar de dezembro [em que a oposição prevaleceu], mas o governo usou o Judiciário para trancar esse resultado.

O sr. se disse contra o afastamento de Dilma Rousseff?

Houve distorção pelo jornal que me citou. Eu disse é que prefiro um julgamento pelo voto a julgamentos políticos pelo Congresso.


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