Folha de S. Paulo


Análise

Paz na Síria carece de estofo político para se concretizar

A perspectiva de que as hostilidades acabem na Síria depende dos eventos políticos dos próximos dias. O país, em guerra desde 2011, pode experimentar um período de alívio inédito. Mas os planos podem ser também como areia jogada ao vento.

O acordo foi anunciado na noite de quinta (11) em Munique após negociações entre potências internacionais, incluindo EUA e Rússia. Ataques podem ser interrompidos em uma semana, e ajuda humanitária pode ser entregue em áreas sitiadas.

Seria uma excelente notícia para a região. O conflito deixou quase 500 mil mortos em cinco anos, segundo estimativa recente. Milhões deixaram seus lares, e a expectativa de vida baixou de 70 anos para 55,4 de 2010 a 2015.

Mas a trégua, apesar do anúncio, não é um cenário garantido. As discussões não incluíram, por exemplo, as organizações terroristas Estado Islâmico e Jabhat al-Nusra, sugerindo que o fim da violência de fato é pouco provável dentro do território.

Ademais, não está claro se o acordo levará à interrupção de bombardeios russos, que têm auxiliado o ditador sírio Bashar al-Assad em reconquistar territórios hoje em mãos de facções inimigas.

O fim da intervenção russa é uma das reivindicações de grupos opositores na Síria.

Assad também jogou areia na cara dos otimistas ao afirmar, à agência de notícias AFP, que está comprometido a retomar todo o país, o que poderia demorar "bastante". A conversa ocorreu horas antes do acordo de Munique.

ATORES

Há outros pontos que não estão claros na proposta de trégua. Por exemplo, qual será o comprometimento da milícia libanesa Hizbullah e dos combatentes iranianos que hoje defendem o regime de Assad. Igualmente, Arábia Saudita e Turquia teriam de lidar com organizações que apoiam no território sírio.

Há receio de, com o fracasso do plano, a Rússia incrementar suas ações na Síria.

O presidente Vladimir Putin tem sido acusado pela morte de centenas de civis em ataques que parecem beneficiar o regime. Os bombardeios russos são justificados como combate ao Estado Islâmico, mas analistas repetidamente denunciam que os ataques têm como alvo outros grupos opositores.

A Rússia, que tem um importante porto na Síria, tem interesse na continuidade do regime, por meio do qual pode exercer pressão na região.

De toda maneira, se o confronto for congelado neste momento, será uma vantagem para Assad, que tem retomado território no entorno de Aleppo, no norte do país.

Baixada a poeira, estará mais nítido o efeito das negociações atuais. Mas o drama sírio só poderá ser de fato resolvido quando as partes envolvidas, incluindo as potências internacionais, voltarem à mesa para negociar.


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