Folha de S. Paulo


Julgamento de físico da UFRJ só serviu para justificar prisão, diz advogado

Adlène Hicheur, o físico franco-argelino alvo de controvérsia no Brasil, foi condenado a cinco anos de prisão, em 2012, apenas para justificar os dois anos e sete meses que passara no cárcere, alegam seu advogado e o presidente de um comitê internacional de apoio ao cientista ouvidos pela Folha.

O grupo, com mais de 300 membros, tem entre eles um Prêmio Nobel de Física.

Condenado por "associação criminosa com vistas à preparação de atentados terroristas", com base em e-mails trocados em 2009 com aquele que seria um líder da Al Qaeda no Magreb, Hicheur é desde 2013 professor-visitante na UFRJ.

"Quando alguém passa anos sob prisão preventiva, é difícil a sentença não confirmar ao menos a duração da detenção. Até para não desautorizar o juiz de instrução", diz o advogado Patrick Baudouin, dizendo que seu cliente teve a pena reduzida por bom comportamento e foi solto dias após o veredicto.

Bertrand Langlois - 4.mai.2012/AFP
Hilam (à dir.) e Saïd Hicheur, irmão e pai de Adlène Hicheur, durante o julgamento do físico em Paris
Hilam (à dir.) e Saïd Hicheur, irmão e pai de Adlène Hicheur, durante o julgamento do físico em Paris

"Se você está na cadeia há dois anos, ninguém vai reconhecer que houve erro", ecoa o físico Jean Pierre Lees, que dirige o grupo de apoio. "Se ele realmente tivesse feito algo perigoso, teria ficado dez anos preso [pena máxima para o crime em questão]."

Para Lees, os serviços de inteligência franceses miraram a pessoa errada. "Como muitos jovens [Hicheur tinha 32 anos à época], era solitário, vivia em sua bolha e, à noite, acessava esse tipo de site [de propaganda jihadista]. É claro que é um erro dele, mas não se condena uma pessoa só pelo teor de sua fala. É desproporcional."

Baudouin diz que seu cliente frequentava fóruns virtuais de extremistas islâmicos por "curiosidade" e "um interesse antiocidental amplamente disseminado na comunidade muçulmana".

"Suas declarações eram vagas e nunca foram concretizadas. Sempre que o interlocutor o instava a agir, ele recuava. Ia ao limite da legalidade, mas não transgredia."

RECRUTAMENTO

No tribunal, um dos trunfos da acusação foi a mensagem em que o físico sugere um ataque a uma base do Exército onde eram treinados soldados para o Afeganistão –Hicheur é opositor ferrenho das intervenções ocidentais naquele país e no Iraque.

"Não acho que citar um alvo seja indicativo da preparação de um atentado. Os terroristas são mais precisos, organizados", diz Baudouin.

Ao ser detido pela polícia em 2009 perto de Lyon (leste da França), na casa dos pais, o pesquisador tinha em mãos € 13 mil (R$ 57 mil) em espécie, o que alimentou suspeitas.

A defesa diz que ele pretendia pagar a construção de uma casa em sua cidade natal, Sétif, Argélia –o contrato foi mostrado à Justiça.

Além disso, o pai de Hicheur tinha ficha nos serviços de inteligência franceses (segundo outro filho, por ter ido a Meca), e o físico fora citado como "recrutador" em um site jihadista.

A defesa afirma ainda que o réu passou por interrogatórios truculentos quando preso e questionou a exatidão da tradução de suas mensagens do árabe para o francês.

CARREIRA

Hicheur é considerado brilhante pelos colegas.

Fez doutorado na cidade francesa de Annecy (na equipe de Lees), pós-doutorado no Reino Unido e, até ser preso, lecionava na prestigiosa Escola Politécnica de Lausanne e era pesquisador associado à Organização Europeia de Pesquisa Nuclear, em Genebra. Desde 2015, está proibido de entrar na Suíça.

"Esperávamos que, ao se instalar no Brasil, ele conseguiria retomar uma vida normal. Ficamos felizes que os colegas do Rio lhe tenham dado essa chance", afirma Lees.

"O que está ocorrendo é catastrófico; se ele sair do Brasil, não conseguirá achar emprego que corresponda à sua qualificação em lugar nenhum da Europa. E vai ficar destruído emocionalmente."


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