Folha de S. Paulo


Perspectiva de acordo com Farc põe Colômbia em ritmo de campanha

A perspectiva de um acordo entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a princípio estipulado para o próximo dia 23 de março, colocou a Colômbia em ritmo de campanha eleitoral.

Desde a semana passada, quando o Senado aprovou que o acordo será validado por meio de um plebiscito, governo e oposição já começaram a reunir os argumentos em favor do "sim" e do "não".

A votação terá lugar de dois a três meses após a assinatura do documento. Para ser aprovado, o "sim" ao acordo deve obter 13% do eleitorado, ou seja, o voto de 4,4 milhões de colombianos.

Guillermo Legaria - 19 dez. 2015/AFP
O presidente Juan Manuel Santos (de terno escuro) e seu ministro da Defesa, Luis Carlos Villegas (cinza), participam de cerimônia militar em Bogotá
Juan Manuel Santos (de terno escuro) e Luis Carlos Villegas (cinza) participam de cerimônia em Bogotá

"O lado do 'não' irá apoiar-se no fato de que a participação política de ex-guerrilheiros e os indultos a crimes menos graves, pontos já acertados no tratado, não têm boa aceitação para muitos colombianos", diz à Folha o analista Mauricio Vargas. Os principais oposicionistas das negociações são os congressistas aliados ao ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe, do Centro Democrático.

"Já o lado do 'sim' vai acenar com conceitos mais binários e sem aprofundar muito o debate. O governo vai dizer que o 'sim' é a paz, e o 'não' é a guerra", completa.

Segundo determinação do Senado, o governo não poderá usar verba pública na campanha. Santos conta, então, com uma aliança entre partidos, organizações sociais e uma fundação formada por empresários alinhados ao governo e com estrategistas de sua campanha presidencial de 2014, que trabalharão por conta própria pelo "sim". Ambas as propostas terão tempo igual de exposição na televisão.

"Vai ser importante saber como se comporta a guerrilha durante a campanha. Se houver episódios de violência, ou se surgirem evidências de que continuaram traficando depois de assinado o tratado, isso irá certamente influenciar o resultado", diz Vargas.

Editoria de Arte/Folhapress

Outro tema com o qual os colombianos estão preocupados, como refletem as pesquisas, é se o processo de paz representará algum tipo de aumento de impostos. Por isso, o Senado determinou que a votação só poderá ocorrer caso o governo exponha a íntegra dos pontos acordados com as Farc e quais os seus planos de investimento para o período chamado de "pós-conflito".

Santos tem pressa em resolver o acordo de paz ainda no primeiro semestre de 2016, para que dê frutos no máximo no princípio de 2017 —seu mandato se encerra em 2018, e não há possibilidade de nova reeleição.

"É improvável que ele chegue a seu último ano com a mesma força política e aprovação popular que tem hoje, portanto quer resolver o mais rápido possível", diz Vargas. A popularidade do presidente subiu quase nove pontos nos últimos meses, com a possibilidade cada vez mais concreta de assinatura do acordo. Segundo o instituto Gallup, está agora em 52%.

OUTROS PONTOS

Até março, porém, ambas as partes terão ainda de acertar o último ponto do acordo, que está em aberto, e que diz respeito a como será feito o desarmamento. O governo pede a entrega total das armas da guerrilha, enquanto esta pede um desarmamento parcial do Exército, a desmobilização dos paramilitares e a definição de territórios onde os ex-guerrilheiros possam instalar.

Apesar de o governo considerar esse ponto menos complicado de desenrolar do que o da reparação às vítimas, firmado na semana passada, e o da justiça transitória, também já definido, setores da própria guerrilha vêm sinalizando que as dificuldades são grandes.

Os guerrilheiros temem, por exemplo, ficar desarmados diante dos paramilitares armados, o que representaria vulnerabilidade diante de tentativas de vingança. Os paramilitares foram uma opção que ganhou força nos anos 90, com apoio de Uribe, no combate à guerrilha.

Prova de que este último ponto ainda renderá ampla discussão e pode travar o acordo é a declaração dada por um dos negociadores das Farc, Jesús Santrich, que afirmou em entrevista à uma rádio local que o prazo de 23 de março dificilmente será respeitado.

Parte das Farc também não está de acordo com o plebiscito, e pede uma Assembleia Constituinte para definir as mudanças na Carta que permitam a instalação de uma Justiça provisória. Santos já descartou essa possibilidade


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