Folha de S. Paulo


'Antes de defender, eu tentaria matar Hitler', diz famoso advogado dos EUA

Alan Dershowitz tornou-se o mais famoso advogado criminalista dos Estados Unidos defendendo réus polêmicos, como o astro do futebol americano O.J. Simpson, o pugilista Mike Tyson, o delator Julian Assange e muitos outros.

Sua reputação como jurista brilhante começou cedo.

Foi o mais jovem professor de direito da Universidade Harvard, aos 28 anos. Antes disso, havia sido um aluno sofrível até receber um conselho de um rabino na yeshiva (escola judaica) em que estudava.

"Ele disse que eu deveria fazer algo que exigisse uma boca grande e nenhum cérebro. Por isso virei advogado", brincou, durante evento recente em Washington.

Aposentado da cátedra no ano passado, Dershowitz não abandonou as batalhas judicias. Nos últimos anos, grande parte de sua energia e oratória tem sido usada na defesa de Israel. Não nos tribunais de Justiça, mas nos debates da opinião pública.

Em entrevista à Folha, Dershowitz, 77, afirma que Israel é o "cliente" mais difícil de defender, devido à má vontade histórica do mundo em relação aos judeus.

Andrew Innerarity - 5.jan.2015/Reuters
O advogado e ex-professor de direito Alan Dershowitz
O advogado e ex-professor de direito Alan Dershowitz

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Folha - O senhor disse que é errado qualificar a escalada atual entre Israel e os palestinos de "ciclo de violência". Por quê?
Alan Dershowitz - Não é só errado, é imoral. Quando criminosos atacam um policial e ele se defende, chamar isso de ciclo de violência é absurdo. Se palestinos armados de facas cometem crimes, as forças de segurança de Israel e os cidadãos têm que proteger seus filhos. Não é um ciclo de violência, é uma rua de mão única.

Muitos veem esses atos como fruto do desespero palestino, causado por Israel.
Então por que os tibetanos e outros povos sob ocupação não fazem o mesmo? Os jovens palestinos cometem esses atos porque são incitados por seus líderes religiosos. E lembre que Israel ofereceu duas vezes nos últimos 15 anos o fim da ocupação e dos assentamentos e o estabelecimento de um Estado palestino. Os palestinos rejeitaram. Também vamos chamar o 11 de Setembro de ciclo de violência?

O senhor é contra a ocupação. Concorda que ela complica a solução do conflito?
Sempre fui contra a ocupação, desde 1967, mas não acho que ela seja o motivo do que está acontecendo. Mesmo se Israel não tivesse um só assentamento haveria terrorismo. Veja a faixa de Gaza. Todos os assentamentos foram retirados, os judeus foram expulsos até o último. Eles poderiam ter uma Cingapura no Mediterrâneo. Em vez disso, usaram todos os seus recursos para fabricar foguetes e dispará-los contra Israel.

Muitos chamam a ocupação de apartheid, o sistema de segregação racial que havia na África do Sul, incluindo o ex-presidente Jimmy Carter. Como vê a comparação?
É ultrajante. Eu lutei contra o apartheid, era parte da equipe jurídica que tentou libertar Nelson Mandela. No apartheid você não pode votar, não pode tomar decisões, uma pequena minoria decide para todos. Nada disso é verdade em relação a Israel. Em áreas [palestinas] como Ramallah há autodeterminação, e os palestinos tiveram a chance de terminar a ocupação. Além disso, não tem base em raça, mas em cidadania. Todo país tem suas próprias regras em relação a cidadania para outros cidadãos. Os EUA, Brasil, todos tem suas regras. Qualquer analogia com o apartheid é falsa.

O que o senhor acha do movimento internacional de boicote a Israel (BDS)?
É discriminação racial. A Suprema Corte da França declarou a organização ilegal. Acredito que ela é ilegal, criminosa e imoral, além de contraproducente. É discriminação baseada em religião e origem nacional. É um castigo coletivo.

Andrew Innerarity - 5.jan.2015/Reuters
Alan Dershowitz em sua casa, em Miami Beach
Alan Dershowitz em sua casa, em Miami Beach

Há israelenses que apoiam o movimento, alegando que é "por amor" a Israel.
Com amigos como esses, Israel não precisa de inimigos. Não se pode amar Israel e apoiar sanções discriminatórias e racistas contra o país. Se você ama Israel, vá para lá votar, organize-se politicamente e tente tirar o partido do poder. É isso o que se faz numa democracia, em vez de aderir a movimentos racistas de punição coletiva contra um país inteiro.

Seu livro mais recente, sobre Abraão, é dedicado aos advogados "que corajosamente confrontam a injustiça". Para muitos, a situação dos palestinos é a maior injustiça do Oriente Médio. O senhor defenderia os palestinos?
Eu os defenderia quando eles estão certos, mas não quando estão errados. Se eu fosse um líder palestino, eu sentaria para negociar a paz. Noventa por cento da responsabilidade pelo atual status quo é da liderança palestina. Se eles não tivessem rejeitado a oferta de Camp David (2000), haveria paz. Em vez disso, deram como resposta uma intifada que deixou 5.000 mortos.

O senhor disse que seu papel como advogado é muitas vezes defender os culpados. No caso de Israel, às vezes sente que está defendendo o culpado?
Não. Acho que na maior parte do tempo Israel está no lado certo. Todo país tem políticas das quais eu discordo. Quando defendo os EUA, eu o faço apesar de discordar de muitas decisões. Por exemplo, a Guerra do Iraque foi um erro terrível. Israel é uma democracia, é normal que haja políticas com as quais eu concordo e outras não. Discordo dos assentamentos, se estivesse em Israel, votaria contra eles.

O senhor defenderia Hitler?
Se Hitler fosse capturado na selva brasileira, não houvesse mais ninguém no mundo para defendê-lo, e houvesse o risco de ele ser solto por falta de um advogado, eu o defenderia. Mas provavelmente eu o mataria antes com minhas mãos, por ele ser um ser humano tão horrível. Eu o mataria como um ato de desobediência civil e o defenderia porque é isso o que advogados fazem, defender qualquer um que cometa um crime. Mas eu provavelmente não resistiria, se ficasse sozinho com ele num quarto, eu o mataria. Moralmente seria a coisa certa.

Entre tantos casos complicados que o senhor assumiu, Israel é o cliente o mais difícil?
É muito diferente, Israel é defendido na corte da opinião pública, que é muito diferente do que no tribunal de Justiça. É preciso usar diferentes habilidades. Israel é um cliente difícil, porque os judeus são um "cliente" difícil. Para começar, há uma forte oposição na mente de muita gente a Israel, precisamente por ser o Estado do povo judeu. Se Israel não fosse o Estado do povo judeu, o mundo não prestaria tanta atenção à situação dos palestinos. Ela recebe muito mais atenção do que a de outros conflitos, como do Tibete, da Tchetchênia e de Chipre.

Israel foi criado para proteger os judeus. Mas para muitos sua existência alimenta o antissemitismo. Como vê essa contradição?
O mais importante não é o antissemitismo, isso é uma doença das pessoas. O mais importante é que Israel, pela primeira vez na história moderna, dá aos judeus a chance de se defender. Não haverá um novo Holocausto enquanto Israel existir. Então eu aceito a troca: prefiro que as pessoas não gostem dos judeus porque eles são fortes demais do que os amem porque são fracos demais. 


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