Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Correa faz síntese da história do Equador e ataca neoliberais

Satanizar todo o gasto público e maximizar os recursos disponíveis para pagamento de dívida. Casadas, essas diretrizes serviram de pilares para a política econômica de países latino-americanos a partir da década de 90.

Apresentadas como ações disciplinadas e prudentes, eram imprudentes e altamente irresponsáveis –reduziram crescimento, ampliaram desemprego e prejudicaram o bem-estar das populações.

As mudanças na região não são rápidas e enfrentam forças conservadoras saudosas "de uma época em que um Estado mutilado e reduzido era servil somente aos interesses do grande capital".

Eduardo Santillan Trujillo/Presidência da República
Rafael Correa, durante evento com apoiadores, em Quito; presidente lança ataca neoliberais em livro
Rafael Correa, durante evento com apoiadores, em Quito; presidente lança ataca neoliberais em livro

É o que defende o presidente equatoriano, Rafael Correa, em "Equador -Da Noite Neoliberal à Revolução Cidadã", lançado no Brasil. Com ênfase na economia, ele faz uma síntese da história do país na segunda metade do século 20.

O livro trata dos limites da economia primário-exportadora. Narra a ascensão das produções de cacau e de banana. Discute o processo de substituição de importações que impulsionou a indústria.

Nos anos 70, o boom do petróleo levou a um crescimento sem paralelo: o país avançou 25% em 1973. Em dez anos, o PIB dobrou. Doutor em economia, Correa vê nesse processo exemplo típico da doença holandesa: valorização exagerada da moeda provocada por um produto de exportação, desbalanceando a economia como um todo.

A isso se somou uma onda de endividamento externo -o débito público com o exterior se multiplicou por 19. A continuação é conhecida: a explosão dos juros nos EUA levou a recessão, mais concentração de renda, desemprego e queda de salários.

Privatizações, derrubada da indústria, precarização do trabalho e liberalização financeira completaram o quadro. "A tradicional assimetria de poder entre capital e trabalho, típica da América Latina e uma das principais fontes para a intolerável desigualdade na região, foi levada ao absurdo", diz o presidente.

Correa, 52, descreve a socialização das perdas privadas e ataca a política de independência do Banco Central, que classifica de fatal. Relata estarrecedoras manobras que, segundo ele, mostram que "o poder político dos banqueiros, em comunhão com as burocracias nacional e internacional vinculadas ao setor financeiro, destrói a moeda nacional e passa o peso da crise ao Estado e à sociedade".

Em 1999, a crise atingiu o seu auge -gerando uma onda de migrações. Em janeiro de 2000, no que Correa considera um "suicídio monetário", o país adotou o dólar.

Na Presidência desde 2007, porém, ele não acabou com a dolarização. Originalmente publicado em 2009, o livro é uma coletânea de textos acadêmicos produzidos de 1993 a 2005, ano em que ele foi nomeado ministro da Economia.

É uma pena que o presidente não explique, ainda que no prefácio à edição brasileira (de setembro de 2015), por que não conseguiu bulir em um ponto tão crucial.

Falando à Folha em 2012, ele argumentou: "Em economia, há coisas muito fáceis de fazer e difíceis de desfazer. Acabar com a moeda nacional foi fácil. Voltar a ter uma é praticamente impossível, a não ser que que estejamos dispostos a aceitar imensos custos sociais e econômicos".

Apesar de limitado no tempo (sem avançar ao período da Presidência) e de dados já desatualizados (alguns têm 2004 como referência), o livro traz um contundente retrato da saga de um país latino-americano que remete a muitos outros, Brasil incluído.

De forma simples, Correa ataca argumentos neoliberais, advogando revitalização do Estado e ênfase no gasto social. Na abertura, traz o foco para a atualidade e fala dos desajustes em razão da queda no preço do petróleo.

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EQUADOR - DA NOITE NEOLIBERAL À REVOLUÇÃO CIDADÃ
AUTOR Rafael Correa
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 38 (160 págs.)


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