Folha de S. Paulo


Ataque do governo que matou turistas no Egito é novo revés para o setor

O ataque desastroso de militares egípcios contra um grupo de turistas, que deixou ao menos 12 mortos no último domingo (13), não só expõe as fragilidades do governo na luta travada contra terroristas como representa mais um golpe no já combalido setor de turismo do país.

Entre os mortos estão pelo menos dois mexicanos. Turistas que sobreviveram relataram que o ataque partiu de helicópteros e de um avião militares, enquanto eles estavam parados próximo ao oásis Bahariya, no centro do país. O governo, que disse ter confundido os turistas com supostos terroristas, descreveu o episódio como um "acidente".

Khaled Elfiqi/Efe
Turistas caminham em direção ao oásis do deserto de Alagara, perto da cidade egípcia de Marsa Matruh
Turistas caminham em direção ao oásis do deserto de Alagara, perto da cidade egípcia de Marsa Matruh

Até agora, a principal ameaça vinha de possíveis atentados executados por radicais ligados ao Estado Islâmico.

O erro dos militares neste fim de semana expande o clima de insegurança, que coloca em xeque a lenta recuperação de um setor que chegou a representar 19,5% do PIB em 2010. Hoje ele significa 12,8%.

Arte: Números do turismo no Egito

De 14,7 milhões em 2010, o número de turistas no país caiu 35%, para 9,5 milhões em 2011, ano em que o ditador Hosni Mubarak foi derrubado. Os turistas começaram a retornar em 2014, quando foram 10 milhões.

A arrecadação com o setor, de quase US$ 23 bilhões em 2010, caiu para US$ 15,7 bilhões em 2013, e registrou pequena recuperação em 2014: US$ 16,9 bilhões. No ano fiscal de 2014-2015, que se encerrou em julho, contudo, o turismo gerou 22% menos do que o esperado.

Importantes pontos turísticos, como o templo de Karnak, em Luxor, à beira do Nilo, já foram alvo de extremistas –que intensificam suas ações à medida em que o presidente Abdel Fattah al-Sisi endurece a repressão a membros e apoiadores da Irmandade Muçulmana.

Arte: Número de turistas - Em milhões

Em junho, forças de segurança mataram um homem que, junto com outros dois, planejava detonar uma bomba no local. Um deles chegou a explodir o artefato, mas do lado de fora do templo.

No mesmo mês, um ataque no complexo de Gizé, onde fica a Pirâmide de Quéops –a única das sete maravilhas do mundo antigo que restou–, foi desbaratado pelas forças de segurança.

REFORÇO

Em alguns locais, como no Museu Egípcio, é possível ver um reforço na segurança. Hoje, carros e ônibus que se aproximam do prédio já são revistados com o auxílio de cães, e os turistas passam por dois detectores de metais, sob os olhares de militares fortemente armados.

Agora, uma segunda cerca está sendo construída ao redor do museu, que fica em frente à praça Tahrir. "Estamos fazendo o melhor que podemos para garantir a segurança. O governo também está trabalhando duro", disse à Folha Mahmoud El Halwagy, diretor do museu, enquanto analisava, na TV de sua sala, as imagens granuladas das câmeras de segurança.

Mapa: Turismo no Egito

Dentro do prédio centenário, a bióloga alemã Marina Gottschalk, 68, no entanto, admite à reportagem: não se sente segura no Egito. "Não traria meus netos aqui neste momento. Só vim porque era uma viagem a trabalho, mas não acho que seja uma boa hora para visitar o país."

O movimento no museu caiu absurdamente desde 2010: de 12 mil visitantes por dia para os 1.500 atuais. "Isso é ruim para o turismo, mas é bom para as antiguidades", contemporiza Halwagy.

Em muitos hotéis da capital, carros e ônibus passam pelo mesmo procedimento do museu antes de cruzar os portões, e os hóspedes só podem entrar no saguão passando por detectores de metais.

Sameh Tawfik, gerente da agência Intrepid Travel no Egito, diz ter alterado recentemente alguns itinerários no país, como as viagens por terra pela península do Sinai, devido ao risco de atentados. "Este ano fomos avisados pela polícia que não poderíamos mais acampar no Deserto Branco, então agora passamos a noite na cidade de Bawiti."

Em pontos turísticos importantes, entretanto, ainda há fragilidades evidentes. No complexo de Gizé, por exemplo, veículos que chegam até bem próximo às pirâmides não passam por vistoria, e a inspeção dos turistas por meio de equipamentos antigos de raio-x é desleixada.

NEGAÇÃO

Apesar dos recentes atentados –e de alertas expedidos por vários governos, como o do Reino Unido, a seus cidadãos, para evitar regiões do Egito–, a maioria dos que trabalham no setor turístico minimiza os riscos.

"Esse negócio de terrorismo é só não estar no lugar errado na hora errada", afirma o guia que pede para ser identificado apenas como Omar. Tawfik se apressa em dizer que o governo egípcio leva a segurança dos turistas "muito a sério".

Para tentar reverter a imagem negativa, o governo contratou a agência de marketing americana J. Walter Thompson, que divulgará o turismo no Egito em 27 países, pelos próximos três anos, pelo valor de US$ 22 milhões anuais.

Aladin Morsy, gerente da agência El Wedian Tours, localizada na praça Tahrir, diz não ter sido preciso reforçar a segurança para viagens de ônibus para destinos como Luxor, no sul. Por causa das ameaças de sequestro de turistas, comboios com vários ônibus já eram escoltados por militares antes de se intensificarem as ações de extremistas.

"O turismo no Egito pode adoecer, mas nunca vai morrer", discursa Morsy, antes de se encaminhar para a porta da agência, onde tentará atrair mais um cliente.


A repórter ISABEL FLECK viajou a convite da Autoridade do Canal do Suez


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