Folha de S. Paulo


Trump ameaça se candidatar sem partido e embaralha disputa nos EUA

Em pouco mais de um mês, o bilionário Donald Trump lançou sua pré-candidatura à Presidência dos EUA, fez comentários escandalosos sobre imigrantes ilegais, trocou farpas com políticos republicanos e democratas, chegou à liderança da disputa entre seus correligionários.

E, diante de inevitáveis críticas, ameaçou romper com o Partido Republicano para concorrer como independente à Casa Branca em 2016.

Na quinta (23), o site "The Hill" publicou entrevista na qual o magnata diz que avaliará a atitude do partido. Se não for "justa" o bastante, disse, isso pesará na decisão.

Ilustração/Toni D'Agostinho
Donald Trump
Donald Trump
Editoria de Arte/Folhapress
Raio-x Donald Trump

Ainda que sua candidatura seja vista com ceticismo por analistas, o descolamento pode bagunçar ainda mais o cenário do Partido Republicano, que já conta 16 pré-candidatos -um recorde.

Trump é o candidato com maior intenção de votos entre o eleitorado republicano por ora. Segundo a pesquisa mais recente, do instituto PPP, 19% votariam nele.

Mas, se concorresse com a ex-secretária de Estado democrata Hillary Clinton, ele perderia por 50% a 37%. É o dobro da margem dela sobre outros republicanos.

A candidatura independente também seria um risco para o partido, já que pode dividir o eleitorado conservador e ajudar Hillary.

Há precedentes. Em 1992, o empresário Ross Perot, concorrendo como independente, cativou parte dos conservadores, e George Bush pai perdeu para Bill Clinton.

FRONTEIRA

A ameaça de Trump de descolar-se do Partido Republicano veio a público no mesmo dia em que o magnata visitou Laredo, no Texas, na fronteira com o México.

Em seus primeiros dias como pré-candidato, ele relacionara mexicanos que vivem nos EUA ilegalmente a crimes como narcotráfico e estupro.

Na quinta, usando um boné com o slogan de sua campanha, "Faça a América Grandiosa Outra Vez", o empresário e apresentador do programa "O Aprendiz" contornou perguntas sobre sua popularidade com o eleitor latino, fundamental nos EUA.

Corrida republicana

Para o professor da Universidade Harvard Alexander Keyssar, os republicanos sabem que a maior parte dos votos que querem aglutinar não vem dos latinos. Mas a posição de Trump obriga os que esperam obter algum apoio a tentar apagar o incêndio.

O ex-governador da Flórida Jeb Bush, segundo entre os republicanos e casado com mexicana, disse ter "enorme discordância com Trump no tom e conteúdo de seu discurso, que não é preciso".

Mas é exatamente o tom do magnata que atrai o americano conservador, diz Keyssar.

"Ele é sensacionalista. Estamos vendo um ator no show business. O fato de se expressar com clareza e não repetir os clichês políticos é o que atrai as pessoas, mas não é um candidato sério."

De fato, Trump não repete clichês. Tem dito coisas tão inusitadas que o site Huffington Post anunciou que passaria a noticiar a campanha de Trump não como política, mas como entretenimento.

"Não vamos morder a isca. Se você está interessado no que 'The Donald' tem a dizer, você achará isso perto de textos sobre as Kardashians e 'The Bachelorette'", diz o portal citando reality shows campeões de audiência on-line.

Infográfico Clinton x Trump

Os tiros também se voltam para os correligionários. No último sábado (18), Trump questionou o mérito do senador e ex-presidenciável John McCain como ex-piloto de guerra. Herói até para o presidente Barack Obama, seu oponente em 2008, McCain foi capturado e torturado na Guerra do Vietnã (1965-75).

Para Trump, não é por que foi capturado que ele serviu bem ao país. "Gosto de pessoas que não são capturadas", disse então.

O episódio feriu os brios não só de militares. Rupert Murdoch, magnata de mídia e conservador, questionou em uma rede social: "Quando Trump vai parar de constranger os amigos e deixar o país em paz?". No dia seguinte, seu "Wall Street Journal" considerou o candidato, em editorial, "uma catástrofe".

Para enfrentar os meses de campanha pela frente -as eleições primárias, em rodadas estaduais, começam em janeiro-, Trump pode seguir o conselho de um cabo eleitoral mirim. Shay Doyle, 10, foi à rede CNN em junho declarar que Trump é seu ídolo. "Não leve para o lado pessoal. Isso sempre acontece em campanhas presidenciais."


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