Folha de S. Paulo


Republicanos são cautelosos na crítica à bandeira escravagista confederada

O massacre de nove negros em uma igreja de Charleston, Carolina do Sul, na semana passada, que arremessa ao centro da eleição presidencial de 2016 as questões das relações entre as raças e do direito ao porte de armas, acrescentou uma questão divisiva e conhecida à disputa emergente pela indicação presidencial republicana: o que fazer quanto à bandeira de batalha confederada desfraldada na sede do Legislativo da Carolina do Sul.

E, como alguns de seus predecessores que buscam vitória nas primárias do Estado, as primeiras do sul dos EUA, os principais candidatos republicanos estão exercitando a cautela. Eles não querem correr o risco de ofender os eleitores brancos conservadores que veneram o mais conhecido emblema dos Estados confederados, afirmando que a bandeira é um símbolo de seu legado.

Jeb Bush divulgou uma declaração no sábado declarando-se confiante em que "a Carolina do Sul fará a coisa certa". Quando governador da Flórida, Bush em 2001 ordenou que a bandeira confederada fosse removida de sua posição diante da sede do Legislativo estadual e enviada a um museu, "que é o seu lugar".

O senador Marco Rubio, também da Flórida, disse a jornalistas que achava que o Estado "tomaria a decisão certa para o povo da Carolina do Sul".

Mas nenhum dos dois declarou explicitamente que desejava que a Carolina do Sul suspendesse a presença da bandeira autorizada pelo Estado e que constitui um lembrete especialmente doloroso da escravidão.

Reprodução/Lastrhodesian.com
Foto do site Lastrhodesian.com aparentemente mostra Dylann Roof, suposto atirador de Charleston
Foto do site Lastrhodesian.com aparentemente mostra Dylann Roof, acusado por chacina em Charleston

O governador Scott Walker, de Wisconsin, recusou-se a responder a perguntas sobre o que fazer quanto à bandeira da Carolina do Sul ou dizer se, em sua opinião, ela representa racismo, afirmando que não trataria de questões desse tipo enquanto as vítimas do massacre continuam insepultas.

Mesmo depois que surgiram fotos do suspeito do massacre, Dylann Roof, segurando a bandeira confederada com uma arma nas mãos, no sábado, nenhum dos candidatos que falaram aos programas dominicais de entrevistas políticas quis responder claramente se a bandeira deveria ou não continuar hasteada diante da sede do Legislativo estadual.

A mais importante entre os pré-candidatos democratas, Hillary Clinton, declarou em 2007 que a bandeira deveria ser removida.

DIFICULDADES

As respostas cuidadosamente calibradas são uma ilustração vívida das dificuldades que os republicanos enfrentam para tentar reforçar o apelo de seu partido junto às minorias e, ao mesmo tempo, atrair os conservadores brancos.

"As questões políticas referentes à raça tocam o nervo mais sensível do Partido Republicano", disse Bruce Haynes, estrategista político republicano e natural da Carolina do Sul. "Todos os republicanos querem ampliar sua parcela do voto negro. Mas é uma questão de o ovo e a galinha."

Haynes recorda do exemplo de David Beasley, antigo governador da Carolina do Sul, que pediu que a bandeira fosse removida do topo da sede do Legislativo, onde no passado ela era hasteada, e em lugar disso transferida a um mastro no chão. A decisão de Beasley lhe valeu poucos votos negros e uma reação muito negativa da parte de alguns brancos em sua busca malsucedida de reeleição, em 1998.

Mas, embora os aspirantes à candidatura presidencial republicana tenham por foco principal nas primárias e convenções estaduais um eleitorado majoritariamente branco, na eleição geral um país cada vez mais diversificado aguarda o candidato escolhido.

Só três dias depois que surgiram informações de que um jovem atirador branco que expressava hostilidade contra os negros havia matado nove fiéis na histórica Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel, em Charleston, entre os quais o pastor e senador estadual Clementa Pinckney, a campanha presidencial republicana enfim começou a acompanhar as reações de um país chocado pela repulsiva exibição de ódio racial.

Nos dias anteriores, alguns candidatos republicanos haviam se queixado dos apelos do presidente Barack Obama por novas leis de controle de armas, e outros pareciam incertos quanto a definir o massacre como motivado por questões raciais.

Se os republicanos relutam em apelar diretamente pela remoção da bandeira, ainda assim perceberam que teriam de falar mais francamente sobre a motivação racial do ataque.

Depois da sexta-feira, quando Bush parecia inicialmente relutante em atribuir os homicídios ao ódio racial, seus rivais trataram a questão de maneira mais direta.

"Quero deixar mais do que claro que acredito que esse ato, o crime cometido na quarta-feira, foi um ato de racismo", declarou Walker a jornalistas no sábado depois de um discurso a um grupo evangélico em Washington. Rubio definiu o massacre como "ato motivo pelo ódio racial".

O único republicano de primeiro escalão que falou sem ambiguidade sobre a bandeira já deixou a disputa pela Presidência. Mitt Romney escreveu em uma mensagem no Twitter sábado: "Removam-na agora para honrar as #vítimasdeCharleston". Romney assumiu posição semelhante ao disputar a primária da Carolina do Sul em 2008.

Mas Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas e segundo colocado naquela primária, que está de novo disputando a candidatura republicana em 2016, sugeriu, na época, que ninguém de fora do Estado deveria ditar o que a Carolina do Sul tem de fazer quanto à bandeira.

A posição, que o pré-candidato reiterou no domingo ao programa "Meet the Press", da rede de TV NBC, é semelhante à que George W. Bush e o senador John McCain adotaram na disputa pela indicação republicana em 2000, vencida por Bush.

Não muito depois de deixar aquela campanha, McCain voltou a Columbia, Carolina do Sul, e admitiu ter comprometido seus princípios por medo da derrota. Mais tarde, escreveu em um livro que não apelar pela retirada da bandeira foi uma das piores decisões de sua carreira.

Mas McCain e Romney, os candidatos republicanos às duas últimas eleições presidenciais, são encarados com desconfiança pelos conservadores, e sua opinião não deve importar muito no quadro da atual disputa.

O que pode importar mais são as opiniões dos líderes republicanos da Carolina do Sul, alguns dos quais declararam no sábado que apreciavam a disposição dos candidatos a lhes dar espaço para tratar do assunto.

Um legislador republicano já está pressionando pela retirada da bandeira. O deputado estadual Norman Brannon, que representa um distrito eleitoral conservador no norte do Estado e era amigo do pastor Pinckney, disse que apresentaria um projeto de lei na próxima sessão do Legislativo propondo a retirada.

DISCUSSÃO ANTIGA

A luta quanto ao posicionamento da bandeira é bem antiga na Carolina do Sul. Ela foi colocada no topo do edifício do Legislativo durante a gestão do governador Fritz Hollings, democrata, em 1962 –momento em que o movimento dos direitos civis começava a ganhar força–, ostensivamente para marcar o centésimo aniversário da Guerra Civil.

No final dos anos 90, houve uma campanha por sua retirada, mas ela continuou desfraldada sobre o domo revestido de cobre do Legislativo da Carolina do Sul até 2000, quando um acordo bipartidário resultou em sua transferência a um memorial confederado nas cercanias.

"O compromisso foi amplamente aceito", disse o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, um dos pré-candidatos republicanos. "Mas, à luz do que aconteceu, é necessário revisitá-lo, por conta da forte associação entre o atirador e a bandeira."

Em entrevista à rede de notícias CNN, no domingo, o prefeito de Charleston, o democrata Joseph Riley Jr., disse que exibir a bandeira no terreno da sede do Legislativo é "na melhor das hipóteses, uma mensagem contraditória".

"E, na pior", ele acrescentou, "para pessoas odientas como Roof, isso representa uma afirmação, porque elas se apropriam de algo e o usam como símbolo do ódio. Por isso, creio que o lugar da bandeira seja um museu, e creio que é lá que ela terminará".

O que pode se provar crucial para determinar o destino da bandeira –e se os pré-candidatos republicanos falarão de maneira mais decidida sobre o assunto– é a posição do senador Tim Scott, da Carolina do Sul, o único republicano negro do Senado. Scott declarou no domingo ao programa "Face the Nation", da rede de TV CBS, que, depois de um período de luto, sua voz será "ouvida claramente" quanto à questão da bandeira.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: