Folha de S. Paulo


Rixa entre Venezuela e EUA ameaça 'tomar' Cúpula das Américas

O encontro que deveria celebrar o fim definitivo da Guerra Fria por meio da participação de Cuba e Estados Unidos, lado a lado, pode ser transformado em um desagravo à Venezuela, alvo de sanções americanas.

A predisposição dos países bolivarianos de um novo ato de rebeldia contra os EUA ameaça a perspectiva de um encontro histórico na 7ª Cúpula das Américas, que ocorre na Cidade do Panamá, nos próximos dias 10 e 11.

O evento será o primeiro a reunir o presidente americano, Barack Obama, com o ditador cubano, Raúl Castro, após o anúncio de reaproximação dos dois países, em dezembro.

Editoria de arte/Folhapress

Assim como fizeram nas três cúpulas passadas, os membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) prometem alinhar-se em torno de reivindicações "anti-imperialistas". A ideia é pressionar os EUA para exigir a revogação do decreto que declara a Venezuela "ameaça incomum e extraordinária" e impõe sanções a autoridades do país.

Segundo a Folha apurou, a Venezuela, com apoio da Nicarágua e outros bolivarianos, quer incluir no documento conclusivo do encontro um repúdio à ordem de Obama contra Caracas.

Os EUA, obviamente, se opõem. Como o texto é aprovado por consenso, há risco de impasse caso os bolivarianos insistam. Com isso, o Panamá pode se transformar na terceira cúpula consecutiva sem declaração final, por falta de acordo.

Paralelamente aos atos oficiais, os membros da Alba realizarão uma "contracumbre" (anticúpula), da qual devem participar os mandatários de Nicarágua, Venezuela, Bolívia, Equador e possivelmente a Argentina.

Em comunicado na semana passada, a Alba declarou que, além de pedir a revogação do decreto americano, exigirá o fim do embargo a Cuba e da suposta ingerência do governo Obama na região.

Para evitar que a cúpula seja dominada por más notícias, os EUA trabalham freneticamente para fazer um anúncio positivo que ofusque os atritos com a Venezuela –uma data para a reabertura de embaixadas em Havana e Washington ou a retirada de Cuba da lista de Estados que patrocinam o terrorismo.

No início de março, Obama afirmou que gostaria de abrir uma embaixada em Havana antes da cúpula –hoje o país mantém apenas uma seção de interesses.

A retirada de Cuba da lista de Estados que patrocinam o terrorismo é outra tarefa complexa. Cuba está nesse rol americano desde 1982, supostamente por proteger terroristas do ETA e das Farc.

Observadores afirmam que a Casa Branca gostaria de ter uma declaração de Havana atestando que o governo cubano não está beneficiando esses terroristas –o que Raúl Castro dificilmente fará.

"Se não houver nenhum anúncio significativo envolvendo Cuba, a cúpula será mesmo dominada pelo tema Venezuela", diz Carl Meacham, diretor do Americas Program no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).

Para o analista político argentino Juan Gabriel Tokatlian, é a "crônica de uma cúpula fracassada". "Os temas ideológicos e políticos ocupam um espaço que poderia servir para tratar de alianças econômicas que ajudassem a região a enfrentar as dificuldades deste ano de desaceleração e queda do preço do petróleo", afirmou.

DILMA E OBAMA

A presidente Dilma Rousseff deve se encontrar com Obama às margens da cúpula. No encontro, eles podem discutir o reagendamento da visita de Dilma a Washington, cancelada em 2013 por causa do escândalo de espionagem. Dilma afirmou que deve fazer ainda neste ano uma visita de trabalho, menos solene que a de Estado.

O Brasil deve conseguir emplacar a privacidade da informação no documento final da cúpula. O tema se transformou em bandeira da política externa brasileira desde as revelações de que os EUA espionavam Dilma.


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