Folha de S. Paulo


Guerra a cartéis fortalece imagem de presidente do México

Parece enredo do seriado americano "Breaking Bad". Cansado do salário baixo e do aborrecido cotidiano de professor primário, Servando Gómez, 49, conhecido como "La Tuta" ("o profe"), um dia resolveu abandonar tudo e entrar para o narcotráfico.

Assim como Walter White, o protagonista da série, "La Tuta" se encontrou no crime, virando um líder vaidoso e intempestivo, temido por todos.

Editoria de arte/Folhapress

Até o último dia 27, quando foi capturado pelo Exército mexicano, "La Tuta" postava no YouTube vídeos em que contava as ações de seu grupo, os Cavaleiros Templários, senhores das rotas da droga que atravessam a Tierra Caliente (sul do México) em direção aos EUA e controlam o porto de Lázaro Cárdenas.

Em Morelia, capital do Estado de Michoacán, "La Tuta" gabava-se de sua impunidade. Era visto nas ruas e à luz do dia, fazendo compras, distribuindo dinheiro e sendo festejado por crianças.

Nos últimos anos, os Templários estabeleceram amplo domínio da região, convocando prefeitos e governadores a pagarem taxas, ameaçando-os de sequestro e morte, extorquindo comerciantes e cobrando pedágio no porto.

Seguidores de uma espécie de "narcobíblia", com regras estritas e punição a traidores, os Templários controlavam a fabricação de metanfetaminas e o cultivo de maconha.

"A prisão de 'La Tuta' é importante porque o governo sinaliza que volta a atuar na Tierra Caliente. Ali, houve cooptação em larga escala dos políticos locais. Era uma terra sem lei", diz à Folha o investigador Ioan Grillo, autor de "El Narco" (Bloomsbury).

O artifício usado na região foi uma polêmica associação do Exército com as milícias civis, chamadas de "autodefesas", com anuência do presidente Enrique Peña Nieto.

A oposição criticou duramente o recurso. "Foi fora da institucionalidade, mas o governo alega que não tinha outra saída. Sem as informações das autodefesas, o Exército não conseguiria desmontar os Templários", diz o cientista político Alejandro Hope.

A questão de Peña Nieto agora é conter as "autodefesas". "Já há relatos de extorsões praticadas por eles. Se seguirmos o modelo da Colômbia, onde muitos ex-paramilitares viraram traficantes depois, o esforço terá sido inútil", completa Hope.

No último dia 4, o Exército capturou outro líder do tráfico: Omar Treviño Morales, 41, chefe do cartel Los Zetas. Formado por dissidentes de outros cartéis e ex-militares, Los Zetas era o grupo mais bem armado e um dos mais cruéis –alguns de seus chefes arrancavam o coração das vítimas.

"Os Zetas faziam questão de divulgar nas redes sociais degolas e assassinatos coletivos. Mas a ofensiva contra eles tem sido eficiente; já é força em declínio", diz Hope.

VITÓRIA DO GOVERNO

Os analistas consideram a prisão dos dois traficantes uma vitória do governo numa área que não vinha bem.

"Peña Nieto foi muito criticado por não diminuir a violência ligada ao crime organizado depois do desaparecimento dos estudantes em Ayotzinapa. As prisões levantam um pouco sua imagem", diz Grillo. Em 2014, o presidente já conseguira mandar prender "Chapo" Guzmán, líder do cartel de Sinaloa.

Desde 2006, o Estado mexicano adotou como política o conflito bélico contra os cartéis que produzem, transportam e distribuem cocaína aos EUA. Segundo dados oficiais, já morreram, desde então, mais de 60 mil pessoas, e há mais de 20 mil desaparecidas.

Os grandes cartéis disputam as principais rotas. Os assassinatos em massa, em geral, são realizados para demarcar território. Nos últimos tempos, os cartéis também praticam, em larga escala, a extorsão e o controle do transporte de produtos agrícolas.

A revista "Economist" que começou a circular na última sexta-feira (6) elogiou a ação militar, afirmando que "as prisões são uma forte mensagem contra a impunidade".

Já os analistas baseados no México alertam para outro problema. "Os cartéis têm se dividido em estruturas menores, sem centralizar as decisões num só chefe. Isso lhes dá sobrevida", diz Grillo.

Para Hope, essa pulverização trará ainda mais dificuldades para o aparato militar. "O modelo muda mais rápido do que o Exército pode acompanhar. Tende a ser mais violento e deixa as grandes cidades para ter bases no campo, em regiões remotas."

As prisões podem, ainda, alterar o quadro da eleição de governadores e parlamentares no próximo dia 7 de junho.

"A esquerda está dividida e não aproveitou o momento de enfraquecimento de Peña Nieto. Não me surpreenderia que o PRI (Partido Revolucionário Institucional, do governo) saísse ainda mais vitorioso, algo que seria impensável na época dos protestos pelos estudantes de Ayotzinapa", diz o sociólogo Roger Bartra.


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