Folha de S. Paulo


É hora de os EUA virarem a página, diz Obama em discurso

Após 15 anos sofrendo com problemas econômicos, terrorismo e duas longas guerras, é hora de os Estados Unidos virarem a página, afirmou o presidente norte-americano, Barack Obama.

"A sombra da crise passou, e o Estado da União está forte", disse Obama. "Agora cabe a nós escolher quem queremos ser nos próximos 15 anos, e nas décadas que virão."

Obama fez nesta terça-feira (20) seu discurso do "Estado da União", o mais importante do ano, diante de um Congresso totalmente controlado pela oposição –um cenário inédito em seis anos à frente da Casa Branca.

Após a dura derrota nas eleições legislativas, Obama afirmou que pretendia negociar com o Partido Republicano e acabar com a longa paralisia no Congresso.

Mas os sinais emitidos pelo presidente desde então mostram um posicionamento na direção contrária: Obama está disposto a reforçar as diferenças entre seu governo e a oposição e usar seus poderes executivos para garantir seu legado na Presidência nos dois anos finais de seu mandato.

Com esse espírito, Obama apresentou propostas que incluem o aumento dos impostos cobrados dos mais ricos e das grandes instituições financeiras como forma de financiar maiores benefícios para a classe média –uma medida historicamente impopular entre os republicanos. Ele também pressionou pelo aumento do salário mínimo e mais benefícios trabalhistas.

Larry Downing/Reuters
Obama faz seu discurso do
Barack Obama faz seu discurso do "Estado da União" ao Congresso, o mais importante do ano

"Nós vamos aceitar uma economia em que apenas alguns de nós são bem-sucedidos? Ou vamos nos comprometer com uma economia que gere aumento da renda e chances para todos que se esforcem?"

O presidente concentrou a primeira parte de seu discurso nas conquistas econômicas desde que assumiu a Presidência, em 2009, auge da crise. "Nos últimos cinco anos, nossas empresas criaram mais de 11 milhões de novos empregos", disse.

"O veredito é claro. A economia da classe média funciona. Expandir as oportunidades funciona. E essas políticas continuarão dando certo, contanto que os políticos não atrapalhem."
O foco na economia também evidencia o início da campanha presidencial de 2016, em que o assunto deverá ser um dos pontos cruciais de discussão entre democratas e republicanos.

Ele também pediu ao Congresso que lhe conceda autoridade para fechar novos acordos comerciais com países da Europa e da Ásia, tema que pode ter mais receptividade dos republicanos que agora são maioria na Câmara e no Senado.

Mas, embora tenha destinado a parte final de seu discurso à apologia pela união entre os partidos, Obama ameaçou em dois trechos vetar projetos de lei que o Congresso discute atualmente: aqueles que pretendem retroceder em suas ações sobre imigração, regulação financeira e saúde, além de novas sanções ao Irã que, neste momento, afirmou, poderiam atrapalhar as negociações com o país.

Evidenciando a tensão, parte dos congressistas republicanos aplaudiu quando o presidente afirmou, em dado momento, que não há mais campanhas em que ele possa concorrer. Obama, então, parou o discurso ensaiado e respondeu: "Eu sei, porque ganhei as duas [em que concorri]."

POLÍTICA EXTERNA

Obama também destinou parte de seu pronunciamento à política externa dos Estados Unidos. Ao citar a retomada das relações diplomáticas com Cuba, anunciada em dezembro, Obama afirmou que o Congresso deve começar a discutir o fim do embargo econômico ao regime neste ano.

"Nós estamos dando fim a uma política que já expirou há muito tempo. Quando o que você está fazendo não funciona por 50 anos, é hora de tentar algo novo", disse, saudando Alan Gross, o americano que estava preso em Cuba desde 2009 e foi solto como parte das negociações, na plateia.

Obama ainda pediu aos congressistas que passem nova resolução autorizando o uso da força contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. "Estamos unidos com aqueles que foram alvo de terroristas –de uma escola no Paquistão às ruas de Paris. E vamos continuar a caçá-los e destruir suas redes."

Em um esforço para aumentar a audiência e a repercussão do discurso, Obama revelou as principais propostas que anunciaria ontem nos dias que antecederam a data.
Entre elas, está um projeto de lei para aumentar o compartilhamento de informações entre governo e empresas como forma de combater crimes cibernéticos no país, em meio à onda crescente de ataques de grupos extremistas e após o ataque hacker à Sony Pictures.

"Nenhuma nação estrangeira, nenhum hacker, deveria conseguir derrubar nossas redes, roubar informações secretas sobre comércio ou invadir a privacidade das famílias americanas", disse Obama.

"Estamos nos assegurando de que o governo integre inteligência para combater ameaças cibernéticas, como fizemos na luta contra o terrorismo. Se não agirmos, deixaremos nossa nação e nossa economia vulneráveis."

TENSÃO RACIAL

Obama ainda aproveitou o discurso para tratar das tensões raciais que tomaram conta do país nos últimos meses, após as mortes de Michael Brown, em Ferguson (Missouri), e Eric Garner em Nova York.

"Podemos ter posições diferentes sobre os eventos em Ferguson ou Nova York. Mas com certeza conseguimos entender um pai que teme que seu filho não possa andar até em casa sem sofrer abusos [da polícia]", disse, antes de pedir uma reforma do sistema criminal norte-americano para que "proteja e sirva a todos nós".

REAÇÃO

Logo após o discurso, a senadora republicana pelo Estado de Iowa, Joni Ernst, deu a resposta de seu partido ao pronunciamento do presidente. "Hoje, em vez de responder ao discurso, eu gostaria de falar sobre suas prioridades", disse, dirigindo-se aos norte-americanos.

"Nós ouvimos a mensagem que vocês enviaram nas urnas em novembro, em alto e bom som. E agora estamos trabalhando para mudar a direção que nosso país está tomando."

Ela ressaltou, porém, que há diversos assuntos em que há espaço para a colaboração bipartidária, como os novos acordos no comércio exterior, o combate ao terrorismo, e a simplificação do sistema tributário.

O aumento de impostos, no entanto, foi descartado. "Vamos propor ideias focadas em cortar os gastos e equilibrar o orçamento –com reformas significativas, não maiores impostos como o presidente propôs", disse.


Endereço da página: