Folha de S. Paulo


Análise: Amor acaba, internet não

A decisão alemã de proibir a guarda de imagens de nudez por ex-amantes dificilmente vai reduzir o volume de momentos íntimos transformados em pornografia amadora. Deve, porém, tornar mais clara a noção de que a proteção da intimidade é responsabilidade de quem priva dela.

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Quando as imagens são feitas, no calor do momento, geralmente apenas duas pessoas têm noção de sua existência. Se as imagens vazam e causam constrangimento, é porque algum dos dois falhou com sua responsabilidade.

Atualmente, um rompimento amargo é a principal maneira pela qual momentos íntimos se transformam em pornografia amadora. Foi o que ocorreu com Paris Hilton em 2003, quando o vídeo "A Night in Paris" foi vazado possivelmente por seu ex-namorado Rick Salomon. Mais tarde, em 2004, Salomon passou a vender profissionalmente o vídeo.

Invasão por terceiros, como ocorreu com Carolina Dieckmann e com Scarlett Johansson, é menos usual. É preciso um descuido muito básico, como o de manter fotos íntimas na caixa postal do Gmail (no caso de Dieckmann) ou na memória do celular (no caso de Johansson). A isso se somam descuidos menos triviais, como instalar programas a partir de links em e-mails dúbios ou usar senhas com dados descobríveis a partir do farto noticiário de celebridades, que conta aos seus leitores até o nome dos bichos de estimação da artista.

Existe uma diferença entre esses dois tipos de caso. O segundo é geralmente chantagem pura e simples. Já o primeiro é uma forma de violência particularmente cruel, uma traição da confiança que um dia houve. Tanto que um dos primeiros sites de pornô amador no Brasil se chamava "Doce Vingança". Foi tirado do ar por decisão judicial, no final dos anos 90.

A possibilidade de responsabilizar os ex-amantes pelo vazamento de imagens não fecha o segundo caminho, mas cria um forte desincentivo ao primeiro. Se as imagens vazam à revelia da retratada (foto de homem nu, quando vaza, costuma ser por vaidade), quem também tinha as fotos também tinha de cuidar delas.

Soluções técnicas para o problema não virão, especialmente porque ele é lucrativo para quem financia a inovação digital. Todos os elementos que fazem a internet ser como é hoje só se tornaram possíveis devido ao apetite do público pela pornografia - desde sistemas de pagamento com cartão de crédito criptografado até streaming de vídeo e modelos de negócio envolvendo a compra de vídeo em trechos, passando pelo conteúdo gerado pelo usuário.

"A indústria exerce sua influência adotando imediatamente as inovações. Os dólares do pornô muitas vezes tornam possível que empresas que desenvolvem tecnologia se mantenham e melhorem suas inovações até o ponto em que estejam prontas para o grande público", escreve Peter Nowak em seu livro "Sex, Bombs and Burgers", que relata como as indústrias pornô, armamentista e de fast-food desenvolveram o ambiente tecnológico atual.

Mas essa tecnologia surge para que mais imagens surjam, não menos.

Na falta de soluções técnicas, resta lidar com o volume da oferta. Isso se faz por meio de desincentivos - e responsabilizar quem também tem as imagens é certamente um deles. Outra maneira é o bom senso de lembrar que o amor pode acabar, mas a internet não.

As únicas imagens de nudez que não correm risco nenhum de vazar são as que estão gravadas apenas no HD da memória. Ao menos por enquanto.


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