Folha de S. Paulo


Ex-membros de tropa de elite dos EUA são achados mortos em cargueiro

Uma noite antes que seus cadáveres fossem encontrados na cabine de um cargueiro, Jeffrey Reynolds e Mark Kennedy aproveitavam a vida noturna de Victoria, nos bares Le Rendez Vous e Pirates Arms.

Os dois, antigos integrantes da força SEAL, unidade de elite da marinha dos Estados Unidos, mais tarde foram a dois cassinos nos quais jogaram blackjack e beberam vodca e tequila em companhia de marinheiros neozelandeses.

Quando o segundo cassino fechou, às três da manhã, imagens de câmera de vigilância mostram a dupla encontrando duas mulheres e partindo com elas por um corredor escuro.

Foi na cabine de Kennedy, mais de 12 horas mais tarde, que um oficial de segurança do navio encontrou os dois homens, em 18 de fevereiro. Reynolds estava caído na cama e Kennedy estava no chão, com o rosto para cima e uma seringa ainda enterrada no braço.

Pó marrom de heroína foi encontrado espalhado pela cabine, de acordo com relatórios policiais. Não estava claro há quanto tempo os dois estavam mortos.

O mistério maior era como dois homens, ambos na casa dos 40 anos, que sobreviveram ao arriscado trabalho dos SEAL –um dos quais realizando múltiplas passagens de combate pelo Iraque e Afeganistão– terminaram morrendo juntos nas apertadas cabines do Maersk Alabama, cargueiro tornado famoso por ter sido capturado por piratas em 2009, uma história relatada em "Capitão Phillips", filme indicado ao Oscar.

Embora os veteranos das forças armadas norte-americanas, especialmente em retorno de zonas de guerra, tenham mostrado alta incidência de abuso de substâncias e outros comportamentos de risco, amigos, parentes e conhecidos dos dois homens dizem que eles pareciam ter se ajustado bem à vida civil depois de anos nas forças armadas.

Os dois eram conhecidos tanto por sua alegria de viver quanto por sua grande força física.

Ainda assim, os longos dias passados no mar protegendo navios contra piratas –uma ameaça que recuou significativamente nos últimos anos– representavam forte contraste para com suas vidas passadas como membros de uma unidade militar de elite.

Reynolds e Kennedy eram funcionários de uma empresa privada de segurança, o Trident Group, que protege a tripulação e carga do Maersk Alabama contra ataques. O tédio, contaram os dois homens a amigos, era o verdadeiro inimigo, em alto mar.

Pessoas que os conheciam expressaram choque diante da informação de que qualquer um deles tivesse usado heroína, e antigos tripulantes do Maersk Alabama afirmam que o uso de drogas é proibido a bordo do navio.

Quando Jeremy White, antigo membro da reserva da marinha de guerra norte-americana e parceiro de exercícios físicos de Kennedy –um sujeito tão musculoso e com aparência tão certinha que ganhou o apelido de "Capitão América"– foi perguntado sobre o possível uso de drogas pelo amigo, a resposta foi: "Não havia como eles fazerem o trabalho que faziam usando drogas".

Na segunda-feira, a polícia das Seychelles, um arquipélago no Oceano Índico, afirmou que as autópsias demonstravam que a causa real de morte dos dois havia sido parada respiratória e possivelmente ataque cardíaco.

"O relatório preliminar de investigação da polícia inclui a possibilidade de uso de drogas, tal como indicado pela presença de uma seringa e de traços de heroína, encontrados na cabine", disse Jean Toussaint, porta-voz da polícia local.

Amostras de urina, do conteúdo do estômago e do sangue dos dois homens estão sendo enviados a Maurício, uma ilha a 1.600 quilômetros de distância, para novas análises, informou Toussaint.

"A maldição do Maersk Alabama ataca de novo", foi a manchete de um jornal local, se referindo ao ataque de piratas durante o qual o capitão do navio foi mantido como refém em um bote salva-vidas.

Desde o ataque de 2009, o Maersk Alabama repeliu por duas vezes ataques de piratas, em parte porque agora ele conta com o serviço de seguranças armados como Kennedy e Reynolds.

O Maersk Alabama, com sua tripulação de 24 pessoas, atracou nas Seychelles ao meio-dia de 17 de fevereiro, a caminho de Salalah, no Omã. O navio deveria ter partido das Seychelles na noite seguinte, mas a saída foi adiada depois que os cadáveres foram encontrados.

Antigos tripulantes e representantes dos armadores do Maersk Alabama dizem que a vida à bordo do navio é tediosa mas nada tem de atípica para quem está acostumado a viver no mar. O navio tem acesso à Internet, televisores, uma sala para exercícios e uma piscina.

"Nós jogávamos cartas, costumávamos telefonar aos amigos, ou ficávamos sozinhos", disse Clifford Lacon, que trabalhou no navio em 2009. "Mas nada de drogas".

Kennedy, 43, se alistou na marinha norte-americana em 1995 e quase imediatamente começou o intensivo programa de treinamento da força SEAL, com dois anos de duração.

Recebeu mais de uma dúzia de medalhas e condecorações antes de se reformar em 2010, entre as quais citações reconhecendo seu serviço em Kosovo, no Iraque e no Afeganistão. Ele treinou como paramédico na Guarda Nacional da Louisiana entre 1988 e 1994.

Reynolds, 44, se alistou em 1990 e serviu por dez anos, mas nunca entrou em combate. Recebeu medalhas de boa conduta e passou três anos como instrutor de combate em curta distância em Camp Pendleton, Califórnia, subindo ao posto de contramestre de terceira classe antes de receber dispensa honrosa em agosto de 2000.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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