Folha de S. Paulo


Pablo Neruda não foi envenenado pela ditadura chilena, revelam exames

O poeta e prêmio Nobel chileno Pablo Neruda não foi envenenado pela ditadura de Augusto Pinochet em 1973, e sua morte aconteceu em decorrência de um câncer de próstata, indicaram nesta sexta-feira os médicos responsáveis por estabelecer as causas da morte.

"Não encontramos nenhum agente químico relevante que poderia estar relacionado com a morte de Pablo Neruda", declarou Patrick Bustos, diretor do Serviço Médico Legal (SML) do Chile, ao entregar o relatório com as conclusões da análise dos restos mortais do poeta.

Felipe Trueba/Efe
Especialista espanhol, Francisco Etxeberría, na apresentação do resultado da perícia realizada em Pablo Neruda
Especialista espanhol, Francisco Etxeberría, na apresentação do resultado da perícia realizada em Pablo Neruda

"Confirmamos, por meio de várias técnicas complementares, a existência de lesões metastáticas disseminadas em vários segmentos do esqueleto em justa correspondência com a doença que atingia o Sr. Pablo Neruda", acrescentou Bustos durante uma coletiva de imprensa.

Mas Mario Carroza, juiz que ordenou a investigação, indicou que esses resultados não concluem o caso e que ainda não está em condições de afirmar se Neruda foi ou não assassinado.

"Neste momento não posso afirmar com certeza. Judicialmente, o juiz não pode afirmar algo de forma tão categórica sem ter todas as evidências, e neste momento não sabemos se temos todas as provas", declarou Carroza a jornalistas.

Precisamos avançar nas investigações "para emitir um juízo deste tipo", acrescentou, considerando a possibilidade de ordenar novos testes.

SUSPEITAS

Militante comunista, Neruda morreu em 23 de setembro de 1973, 12 dias após a instalação da ditadura de Augusto Pinochet. Na época, o poeta foi internado na Clínica Santa Maria de Santiago, para tratar de um câncer de próstata avançado.

Dúvidas sobre as causas de sua morte foram levantadas por seu ex-motorista e amigo, Manuel Araya, que disse que, horas antes de sua morte, Neruda teve inoculado em seu peito uma substância misteriosa, que o teria matado.

Além disso, outros casos reforçaram as suspeitas de envenenamento. Na mesma clínica onde Neruda morreu, mas nove anos depois, o ex-presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970) morreu devido a uma "introdução gradual de substâncias tóxicas", segundo determinou a justiça em um caso que permanece em aberto.

Embora seja mais conhecido por sua coleção "Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada", publicada em 1924, Neruda foi também um importante ativista político durante uma época turbulenta do Chile.

Ele organizou uma viagem de navio para levar cerca de 2 mil refugiados da Guerra Civil Espanhola para o Chile, em 1939, e foi embaixador na França.

Amigo do presidente socialista salvador Allende, que cometeu suicídio no momento do ataque das forças de Pinochet à sede da presidência, Neruda planejava viajar ao México para comandar a oposição ao novo governo golpista.

O golpe militar pegou o poeta de surpresa em sua casa em Isla Negra, uma pequena cidade na costa do Pacífico, quando já sofria há anos de câncer de próstata, que o havia afastado da vida pública.

A análise dos restos mortais de Neruda, exumado de seu túmulo à beira-mar no balneário de Isla Negra (costa central do Chile), foi realizada por 11 especialistas chilenos e estrangeiros e liderada pelo especialista espanhol Francisco Etxeberría, da Universidade de Múrcia, na Espanha, e Ruth Winickett, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

A família do poeta afirmou nesta sexta-feira que o caso não está fechado e que continuará a lutar para que todas as questões sejam esclarecidas.


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