Folha de S. Paulo


EUA dizem que Líbia sabia sobre captura de suposto terrorista

O governo da Líbia nas últimas semanas aprovou tacitamente duas operações de forças especiais norte-americanas no país, de acordo com importantes funcionários do governo dos Estados Unidos: uma para capturar um importante militante da Al Qaeda e outra para capturar um líder de milícia suspeito de ter executado o ataque de 11 de setembro de 2012 contra a missão diplomática norte-americana em Benghazi.

Nazih Abdul Hamed al-Ruqai, o líder da Al Qaeda, foi capturado por soldados das forças especiais dos Estados Unidos no sábado em Trípoli, em uma ação que os norte-americanos esperavam manter secreta mas sobre a qual informações vazaram para a mídia. A ação foi alvo de intensas queixas das autoridades líbias, que a definiram como sequestro e alegaram não ter qualquer envolvimento com o ataque.

Ainda que os funcionários norte-americanos esperassem que o governo líbio alegasse não ter qualquer informação sobre a operação, o vazamento de informações sobre ela despertou preocupações de que o suspeito pelo ataque em Benghazi, Ahmed Abu Khattala, agora esteja informado de que os Estados Unidos têm capacidade de conduzir operações na Líbia.

Não está claro o motivo para os comandantes das forças militares norte-americanas não tenham conduzido simultaneamente as duas operações autorizadas, a fim de evitar esse problema.

Alguns comandantes militares afirmaram que as condições práticas na Líbia podem não ter sido oportunas no sábado. Mas a reação contra um possível segundo ataque pode resultar na queda do governo do primeiro-ministro Ali Zeidan, que está oscilando à beira do colapso e tem pouco controle sobre vastas partes do país, especialmente a região leste, perto de Benghazi.

George Little, porta-voz do Departamento de Defesa norte-americano, se recusou a comentar, na terça-feira. Representantes dos Estados Unidos afirmaram que embora os líbios tenham aprovado tacitamente a ação do sábado, não participaram da operação, e nem foram informados com antecedência quanto à sua data.

Combinada a uma missão de uma unidade SEAL da marinha realizada também no sábado na Somália, e que fracassou na captura de um importante líder do grupo militante al-Shabab, a operação em Trípoli sinaliza que o governo Obama está disposto a realizar missões de risco a fim de enfrentar a ameaça cada vez mais grave de terrorismo na África.

"A África é um dos lugares", declarou o presidente Obama em entrevista coletiva na quarta-feira, "no qual vemos esses grupos ganhando força. E vamos continuar a persegui-los".

Mais de meia dúzia de funcionários do governo norte-americano, nos setores diplomático, militar, judicial, de inteligência e outros, foram contatados para o artigo, e todos falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados devido à delicadeza diplomática do assunto e à perspectiva de futuras ações militares.

A aprovação tácita dos líbios é muito mais limitada que os acordos secretos que os Estados Unidos mantiveram em anos recentes com os governos do Paquistão e Iêmen. Sob esses arranjos, os Estados Unidos receberam ampla autoridade para executar operações secretas com o objetivo de matar militantes, ainda que posteriormente Obama tenha ordenado que esse tipo de ação fosse restringido.

A campanha de ataques por drones (aeronaves de pilotagem remota) norte-americanos no Paquistão vem há muito sendo alvo de denúncias por integrantes do governo civil paquistanês, ainda que funcionários norte-americanos aleguem que as forças armadas e serviços de inteligência do país aprovam esse tipo de missão.

Em entrevista coletiva em Bali na segunda-feira, o secretário de Estado norte-americano John Kerry afirmou que os Estados Unidos realizam consultas regulares ao governo líbio sobre "diversas questões de segurança e combate ao terrorismo", mas disse que não revelaria "detalhes específicos de nossas comunicações com um governo estrangeiro ou em qualquer forma de operação desse tipo".

Kerry disse que a operação militar para a captura de Ruqai foi legal e que ele esperava que o mundo compreendesse que os Estados Unidos "farão tudo que está em seu poder, e seja legal e apropriado, para aplicar as leis e proteger nossa segurança".

Depois de meses de lobby de funcionários norte-americanos, os líbios consentiram "há algum tempo" - semanas ou até meses atrás - que as operações dos Estados Unidos fossem realizadas, de acordo com um importante funcionário em Washington. No entanto, os líbios não foram informados com antecedência sobre o ataque do sábado.

O consentimento líbio marca um passo adiante significativo para o governo Obama, criticado pelos republicanos do Congresso por agir com lentidão demais para a captura dos suspeitos da ação em Benghazi.

Em agosto, foi revelado que os Estados Unidos apresentaram acusações contra Khattala, importante líder de milícia em Benghazi, por homicídio, em conexão com os ataques à missão norte-americana na cidade.

Se os Estados Unidos tentarem deter Khattala, provavelmente o farão mais uma vez sem muita, ou qualquer, ajuda do governo líbio. Os planejadores militares consideram que uma ação no leste da Líbia, dominado por milícias, seria muito mais perigosa que a operação em Trípoli.

Legisladores e líderes locais líbios de todos os matizes políticos vêm repetindo há meses que seu novo governo jamais aceitaria ações militares ocidentais em solo líbio, por qualquer que seja o motivo. Quase todos afirmam que ainda precisam ver provas antes de concluir que qualquer suspeito pelo ataque a Benghazi deve ser detido ou acusado, e que de qualquer forma o caso deveria ser conduzido por um tribunal líbio - não obstante o estado precário do sistema judicial do país.

Os islâmicos, que respondem por proporção substancial dos líderes de milícia bem como do Legislativo de transição líbio, muitas vezes acusam Zeidan, que vivia no exílio em Genebra como parte da oposição ao regime de Moammar Gadhafi, de colaborar demais com o Ocidente, ou mesmo de flertar com a ideia de que forças de paz da ONU poderiam servir para ancorar seu governo.

Zeidan, falando a jornalistas em Rabat, Marrocos, depois de reuniões lá na terça-feira, descartou os temores de um rompimento mais grave com os Estados Unidos.

"Eles nos ajudaram em nossa revolução", disse Zeidan. "Nosso relacionamento não será afetado por esse evento, que resolveremos da maneira que necessitarmos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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