Folha de S. Paulo


Para americanos, ataque no Quênia teve ajuda de funcionário do shopping

O complô foi montado semanas ou meses atrás na Somália, pela "divisão de operações externas" do Al-Shabaab, dizem autoridades norte-americanas. Uma equipe de combatentes estrangeiros fluentes em inglês foi cuidadosamente selecionada, bem como o alvo: o reluzente shopping center Westgate, em Nairóbi, no Quênia.

As plantas do edifício foram estudadas, incluindo os dutos de ventilação. O ataque foi ensaiado e a equipe foi despachada, passando sem problemas pelas porosas fronteiras do país vizinho, usualmente patrulhadas por guardas mal pagos e profundamente corruptos.

Um ou dois dias antes do ataque, poderosas metralhadoras acionadas por cintas de munição foram armazenadas secretamente em uma loja do shopping center, com a ajuda de um funcionário envolvido na conspiração. Ao menos um dos militantes também deixou pronta uma troca de roupas, para que, depois do morticínio, pudesse escapar em meio aos civis em fuga.

Esse é o quadro que está emergindo das autoridades de segurança dos Estados Unidos quanto ao massacre no shopping Westgate, onde dezenas de pessoas foram mortas após militantes do Al-Shabaab terem invadido o local no último sábado.

Depois de um impasse de quatro dias, o presidente Uhuru Kenyatta, do Quênia, afirmou na terça-feira ter enfim "envergonhado e derrotado" os responsáveis pelo ataque, declarando que os últimos militantes ainda ativos no interior do shopping center haviam sido mortos, ainda que os corpos de muitos, talvez dezenas de civis, não tenham sido recolhidos do local até agora.

As autoridades norte-americanas dizem que as identidades dos responsáveis ainda não foram determinadas --para isso, esperam por testes de DNA e pelas imagens das câmeras de segurança do shopping center. Mas dizem saber que o massacre foi meticulosamente planejado para "obter a máxima exposição".

Por conta do ataque, um dos mais perturbadores episódios da história recente do Quênia, começa nesta quarta um período de três dias de luto oficial.

Enquanto isso, as autoridades do país, em geral visto como um oásis de paz e prosperidade em uma região perturbada, lutam para tentar responder como 10 a 15 extremistas islâmicos foram capazes de sitiar um shopping center, matando mais de 60 civis com armamento militar, e depois resistir durante dias ao contra-ataque das forças de segurança quenianas.

BRUTALIDADE

A maneira pela qual o ataque foi executado pode ter tido algo a ver com a recente execução de Omar Hammami, combatente do Al-Shabaab que cresceu no Alabama e se tornou uma figura fantasmagórica nos desertos da Somália, onde era conhecido pelo nome de guerra de Ali Mansoor al-Amriki, "o americano". Hammami foi morto a tiros por outra ala do grupo menos de duas semanas atrás.

Um motivo para o desentendimento eram as queixas de Hammami de que o Al-Shabaab havia se tornado brutal demais para com os irmãos muçulmanos, sob a liderança de Ahmed Abdi Godane, o emir do grupo. Para Hammami, essa brutalidade estava por trás da perda recente de popularidade e de território do Al-Shabaab na Somália, onde o grupo tenta instalar um Estado islâmico.

Stig Jarle Hansen, pesquisador norueguês que escreveu um livro sobre a milícia, disse que a cisão talvez explicasse por que os militantes no shopping center de Nairóbi tenham decidido poupar as vidas de muitos muçulmanos. No passado, o Al-Shabaab matou incontáveis muçulmanos na Somália com atentados suicidas a bomba, e enterrou meninas muçulmanas na areia até o pescoço e as matou a pedradas.

"Até Osama Bin Laden criticou Godane por sua aspereza excessiva", disse Hansen. "O ataque pode ter sido uma maneira de Godane dizer 'viram, não sou tão duro com os muçulmanos'".

Alguns muçulmanos foram mortos no ataque ao shopping center. Mas muitos sobreviventes dizem que os militantes interrogaram pessoas sobre sua religião, apontando as armas para ela, antes de separar impiedosamente os não muçulmanos para execução.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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