Folha de S. Paulo


Síria corre risco de fragmentação territorial, diz historiador americano

Criação artificial do século 20, o Estado sírio enfrenta hoje, diante da violenta insurgência contra o regime de Bashar al-Assad, o risco de uma fragmentação territorial.

É a opinião do historiador e analista americano Daniel Pipes, presidente do think tank Middle East Forum e autor das obras "Militant Islam Reaches America" e "Islam and Political Power", sobre o extremismo islâmico.

"O Estado sírio sempre foi frágil, como o Iraque, a Jordânia e o Líbano. Esses Estados não são naturais", diz, referindo-se às fronteiras que não correspondem aos grupos étnicos e religiosos.

Assim como não é "natural" à região que um grupo minoritário xiita, os alauitas, tenham mantido o poder por tanto tempo no país. Afinal, "historicamente, xiitas estiveram sob o controle dos sunitas", a exemplo do Iraque.

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Folha - O que está acontecendo, hoje, na Síria?

Daniel Pipes - O país está dividido em três partes. O regime controla uma área, os rebeldes têm outra e, por fim, há uma região sob o domínio dos curdos. A Síria vai continuar assim por algum tempo. Se o regime do Irã cair, se a Rússia mudar de lado ou se o Ocidente se envolver, pode haver mudanças. Caso contrário, o país vai continuar divido.

Como no passado, durante o mandato francês (1920-1946)?

É uma versão diferente do que houve durante o mandato francês. Mas sim, a Síria foi e continua a ser uma criação artificial. O Estado sírio sempre foi frágil, como o Iraque, a Jordânia e o Líbano. Esses Estados não são naturais.

Estamos diante de uma mudança nas fronteiras desses países?

É possível. A mudança mais dramática seria, nesse caso, a emergência de um Estado curdo. Já temos um território curdo no Iraque e outro na Síria. Pode haver áreas curdas também na Turquia e no Irã, no futuro.

Uma divisão informal ou um Estado propriamente dito?

Informal, o que não seria uma novidade no Oriente Médio. Por exemplo, a região curda do Iraque é uma espécie de administração informal, um território autônomo. Em muitas partes do Oriente Médio, há condições caóticas, sem um reconhecimento formal.

O sr. diria que o conceito de Estado era alienígena à região, quando esses países foram criados?

Acho que o problema real não é a divisão, mas o fato de que tiranos lideraram esses países por décadas. As pessoas estão cansadas e querem alguma coisa outra. Por isso temos visto insurgência da Tunísia ao Bahrein.

Mas, em alguns países, a situação parece ter piorado. O Egito vive uma crise democrática, por exemplo.

A insurgência é necessária. É melhor que tenha começado agora do que depois. Seria melhor há dez anos, mas não foi. Os resultados parecem ruins, às vezes horríveis, mas acho que derrubar tiranos é um processo pelo qual o Oriente Médio precisa passar.

Como os alauitas tomaram o poder na Síria, sendo uma minoria?

O poder colonial francês encorajou grupos não sunitas a tomar parte no Exército. Assim, os alauitas [11% da população síria] ganharam uma presença desproporcional nas Forças Armadas.

Além disso, eles tinham também presença desproporcional no partido hoje governista Baath, e em 1966 eles tomaram o poder, liderando o país por meio século. A ira dos sunitas [74% no país] cresceu e cresceu.

Uma minoria governando a maioria, como no Iraque?

Sim, mas o oposto. A diferença é que, no Iraque, sunitas lideraram o país. Na Síria, eles foram liderados. Mas sunitas têm uma expectativa histórica de que eles têm de estar no poder. Por isso, a angústia na Síria é ainda maior.

Historicamente, xiitas estiveram sob o controle dos sunitas. Assim, o cenário iraquiano era uma situação normal, na região. A Síria, por sua vez, é uma circunstância inesperada.

Os EUA vão intervir na Síria?

Não acho que a intervenção, se ocorrer, será grande. Barack Obama foi eleito em parte para encerrar o envolvimento americano no Oriente Médio. A participação nesses conflitos é impopular. Além disso, no caso da Síria, não há ninguém por quem lutar. Os rebeldes são tão horríveis quanto o regime.

Depois da invasão do Iraque (2003), vista por alguns como um fracasso, a perspectiva para intervenções no Oriente Médio mudou?

Eu não diria que a invasão do Iraque foi um fracasso. Livrar o país do ex-ditador Saddam Hussein foi um benefício regional, mesmo com os problemas que surgiram depois [o país vive, hoje, violento conflito sectário]. Mas o mais importante é que tanto o regime quanto os rebeldes na Síria são extremamente repulsivos ao Ocidente.

O Ocidente não está mais próximo dos rebeldes do que do regime?

Sim, mas não o suficiente para representar uma diferença significativa.


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