Folha de S. Paulo


Análise: Obama resiste, mas críticos questionam se mandato acabou

Não é uma comparação que muita gente imaginava que viesse a ganhar força.

Mas, por efeito de múltiplos escândalos e sob ataque de uma imprensa furiosa, a situação do presidente Barack Obama está levando uma legião de sabichões a indagar se ele por acaso será o Richard Nixon do século 21, e se o seu segundo mandato já pode ser dado por desastroso e encerrado.

Os jornalistas conservadores certamente se entusiasmaram com a ideia de que Obama, sob pesado assédio, possa agora ser comparado ao 37º presidente dos Estados Unidos, que deixou o cargo mais cedo, humilhado, em função do escândalo Watergate.

Eles interpretam as revelações de que o Internal Revenue Service (IRS, o serviço federal de receita norte-americano) tomou como alvo grupos conservadores e de que o Departamento da Justiça fez o mesmo com relação a jornalistas da Associated Press, em uma ordem secreta de obtenção de seus registros telefônicos, como prova de que o governo Obama está sofrendo de paranoia e excedendo seus poderes.

E, em seguida, adicionam uma saudável dose de indignação quanto à possível manipulação pela Casa Branca da reação do governo à morte de quatro diplomatas norte-americanos em um ataque ao consulado dos Estados Unidos em Benghazi, Líbia.

"Benghazi e o IRS: Watergate Jr.?", propôs o jornalista conservador Cal Thomas em meio a uma pletora de manchetes semelhantes. Mas a reação adversa não veio apenas da direita. Michael Capuano, deputado da ala progressista do Partido Democrata, reagiu às informações sobre o IRS declarando que "de maneira alguma vou defender algo assim. Diabos, passei minha juventude atacando o governo Nixon por fazer o mesmo".

E até o site Buzzfeed usou uma animação na qual o rosto de Obama se transformava lentamente no de Nixon. Os observadores mais experientes de Washington estão chocados por o segundo mandato de Obama estar degringolando com tamanha rapidez. Apenas seis meses atrás, ele estava celebrando uma vitória por margem confortável sobre o oponente republicano Mitt Romney, na eleição de 2012, e deliciando os progressistas de sua base com a promessa de mais quatro anos de avanços e reformas.

"Tudo se deteriorou desde o discurso de Estado da União, em fevereiro, e de agora em diante a estrada será difícil, para ele. O período é muito soturno para a Casa Branca", disse o professor David Cohen, cientista político da Universidade de Akron.

Os três escândalos que dominaram as manchetes desta semana "" o do IRS, o da espionagem contra a AP, e as mais recentes revelações sobre o ataque de Banghazi "" serviram apenas para agravar os muitos outros problemas que a Casa Branca de Obama vem encontrando ao tentar mapear o caminho para um segundo mandato de sucesso.

Obama vem sofrendo pesadas críticas de sua base progressista e de republicanos da direita por seu uso entusiástico de aeronaves de pilotagem remota (drones) para matar militantes islâmicos no exterior. Uma greve de fome no presídio da baía de Guantánamo também colocou em destaque o não cumprimento da já antiga promessa de Obama de fechar a controvertida base.

Por fim, diante do trágico massacre em uma escola de Newtown, Obama apostou um grande capital político em um projeto de aperto nos controles de armas. Mas, a despeito do grande apoio popular à medida, terminou derrotado pelo intenso lobby dos fabricantes de armas.

Isso tudo veio a gerar, para alguns, a sensação de que o segundo mandato de Obama perdeu o rumo, e a influência do presidente está em queda. "O mandato dele parece estar acabando dois anos antes do que devia. A derrota quanto ao projeto de controle de armas foi um grave embaraço", disse Cohen.

Os especialistas dizem que os problemas de Obama estão nem tanto em um Partido Republicano que parece ter recuperado o ímpeto por sentir a fraqueza do oponente mas mais no Partido Democrata, que ele comanda. Porque a Casa Branca está sob pressão crescente e seu foco passou a ser o controle de danos, como provam a súbita divulgação de cem e-mails relacionados ao ataque de Benghazi, na quarta-feira, e a demissão do diretor do IRS, a capacidade do governo para manter a disciplina de sua bancada no Congresso diminuiu.

Já preocupados com as eleições de meio de mandato em 2014, muitos democratas agora hesitarão em ser vistos como ligados demais a Obama e aos escândalos que maculam o nome do presidente.

ELEIÇÕES

Conseguir seus votos para a aprovação dos projetos de lei que a Casa Branca defende será difícil. "Vai ser mais difícil para ele conseguir que seu partido se una em apoio às causas do presidente. O poder de um presidente sempre diminui a cada dia, em um segundo mandato, mas um escândalo acelera o processo", diz Larry Haas, comentarista político e ex-assessor da presidência na Casa Branca de Bill Clinton.

A situação provavelmente vai piorar. O Partido Republicano controla a Câmara dos Deputados, e, com isso, tem o poder de convocar audiências legislativas e emitir intimações como parte das investigações que escolha realizar sobre quaisquer dos escândalos. Esta semana, o secretário da Justiça Eric Holder já foi publicamente questionado sobre o caso do IRS e do AP, o que dita um tom que deve ser repetido nos próximos meses, garantindo que os escândalos ganhem vida nova periodicamente.

"A Câmara vai manter investigações e mais investigações. Isso vai se estender por anos", disse Steven Mitchell, fundador da Mitchell Research e consultor de pesquisa do Partido Republicano.

No entanto, ainda existe quem alerte que a maré política de Obama pode voltar a virar. Ele continua a deter muito poder na Casa Branca, o que inclui a capacidade de promover sua agenda por meio de decretos presidenciais.

Também é provável que continue tentando promover sua ambiciosa meta de garantir uma reforma na imigração como realização marcante de seu segundo mandato, a fim de acompanhar a reforma na saúde que conduziu no primeiro.

Preocupados com as mudanças demográficas e com o poder rapidamente crescente do eleitorado hispânico, muitos republicanos estão cientes de que aderir à reforma da imigração é uma boa escolha política para seu partido. É improvável que permitam que seu desejo de conquistar vantagens políticas explorando a fraqueza de Obama interfira com a meta mais ampla de melhorar sua imagem junto às comunidades hispânicas.

"A situação política quanto à imigração mudou muito depois da eleição presidencial. E esse continua a ser o caso. Os dois partidos a querem", disse Haas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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