Folha de S. Paulo


Análise: Lawson está certo --o Reino Unido não precisa da Europa

Ao discutir os prós e contras da presença britânica na União Europeia, o ponto mais importante a ter em mente é o seguinte: os termos de saída são livremente negociáveis. Isso significa que as consequências econômicas de uma saída dependeriam em larga medida desses termos de saída.

Em artigo para o jornal "Times" na semana passada, lorde Lawson, antigo chanceler do Erário (ministro das finanças) britânico, argumentou que os custos regulatórios do mercado unificado para a economia britânica eram mais altos que os custos econômicos de uma saída.

Em consequência, ele favorece a saída. A análise procede? A conclusão que ele propõe é logicamente justificável?

Concordo com a maior parte de sua análise, especialmente o argumento de que, para o Reino Unido, o mercado unificado porta custos bem maiores que seus benefícios. Para a União Europeia como um todo, o mercado único não tem influência macroeconômica.

Seu impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) agregado é estatisticamente imperceptível. Se você realmente desejar defendê-lo em termos macroeconômicos, teria de alegar quer a tendência de crescimento teria caído, caso a unificação do mercado não tivesse acontecido --e que essa queda teria começado no exato momento em que o mercado se unificou. Boa sorte, se decidir tentar.

O mercado unificado trouxe alguns benefícios para as muitas economias abertas de pequeno porte que fazem parte da União Europeia, especialmente as que contam com uma grande base industrial.

O Reino Unido é uma grande economia com base industrial pequena. Para um país como o Reino Unido, o peso regulatório do mercado unificado supera os benefícios que ele oferece.

Mas será que se pode concluir, dessa observação, que o Reino Unido estaria melhor economicamente caso saia da União Europeia? Para fazê-lo, seria necessário aceitar duas suposições.

A primeira é que, ao sair, o Reino Unido não busque imediatamente aderir à Área Econômica Europeia. Esse clube no momento é formado por Noruega, Islândia e Liechtenstein. O propósito da organização é dar a esses países acesso ao mercado unificado, ainda que virtualmente não tenham influência sobre suas regras.

Portanto, se você acredita que o mercado unificado representa um monstro regulatório, certamente não vai querer aderir a um clube que o force a voltar a ele.

A segunda grande suposição é a de que mesmo sem adesão à Área Econômica Europeia, o Reino Unido continuaria a desfrutar de acesso comercial livre à União Europeia. A suposição é razoável?

Acredito que seja. A Alemanha ou a Holanda quase certamente não se oporiam a um acordo de livre comércio com o Reino Unido, e poderiam provavelmente persuadir outros países a aceitar um arranjo liberal para os britânicos caso estes decidam abandonar a união. Não interessaria a ninguém que o Reino Unido sofresse um choque comercial negativo.

David Cameron, primeiro-ministro britânico, também pode considerar mais fácil negociar termos favoráveis de saída do que uma mudança no tratado de união. Esta última seria necessária se ele desejasse substanciar seu objetivo de uma mudança fundamental no relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia.

Seria necessário acordo de todos os países membros, e seus legislativos, e a medida teria de ser aprovada em diversos referendos.

A base legal para uma cláusula de saúda é menos rigorosa do que para uma mudança no tratado. O artigo 50 do Tratado de União Europeia, um dos dois textos que juntos formam o Tratado de Lisboa, oferece essa opção de uma saída.

Teria de haver negociações entre o governo britânico e as diversas instituições europeias. Tudo estaria aberto a discussão. O Reino Unido poderia negociar um acordo favorável ou desfavorável.

Meu melhor palpite é que uma saída colocaria o Reino Unido em situação semelhante à da Suíça, o que não exatamente seria um desastre econômico. Qualquer acordo de saída teria, portanto, de incluir, ou vir acompanhado de, um acordo bilateral de comércio. Sem isso, seria insensatez deixar a União Europeia.

O mais forte argumento de lorde Lawson se relaciona à mudança na natureza da União Europeia. Se o Reino Unido decidir continuar membro, se veria progressivamente excluído à medida que avance a integração da zona do euro.

O imposto sobre transações financeiras e a união bancária são dois exemplos iniciais de uma integração que está ocorrendo sem participação britânica. Muitos outros virão. É o euro que divide a União Europeia --ou melhor, a decisão britânica de não aderir a ele.

O resto é simplesmente um desdobramento inevitável. Onde discordo de lorde Lawson é em suas ambições de manter a City de Londres como centro financeiro da Europa. De qualquer forma, acredito que o Reino Unido estaria muito melhor em longo prazo se reduzisse sua dependência quanto ao setor financeiro.

Mas mesmo que você discorde dessa afirmação, o objetivo de garantir a posição da City como centro financeiro da Europa não é realista - não importa que o Reino Unido fique ou saia da União Europeia.

A incipiente união bancária da União Europeia pode demorar demais, como resposta à crise da zona do euro, e ao mesmo tempo ter força suficiente para separar a zona do euro do Reino Unido.

Uma união bancária significará que a zona do euro terminará por ter um polo financeiro próprio. Não consigo pensar em coisa alguma que salvaguarde o papel da City em longo prazo, a não ser a decisão de aderir ao euro. E isso evidentemente não vai acontecer. E lorde Lawson certamente não está propondo que aconteça.

Minha conclusão geral, no entanto, coincide com a dele. Pode haver motivos para que o Reino Unido deseje continuar na União Europeia. Mas quaisquer que sejam, não são econômicos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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