Folha de S. Paulo


Leia 3ª parte da encíclica de Bento 16 publicada em 2009

Leia a terceira parte da encíclica de Bento 16 publicada em 29 de junho de 2009.

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57. O diálogo fecundo entre fé e razão não pode deixar de tornar mais eficaz a acção da caridade na sociedade, e constitui o quadro mais apropriado para incentivar a colaboração fraterna entre crentes e não-crentes na perspectiva comum de trabalhar pela justiça e a paz da humanidade. Na constituição pastoral Gaudium et spes, os Padres conciliares afirmavam: « Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e não-crentes »[136]. Segundo os crentes, o mundo não é fruto do acaso nem da necessidade, mas de um projecto de Deus. Daqui nasce o dever que os crentes têm de unir os seus esforços com todos os homens e mulheres de boa vontade de outras religiões ou não-crentes, para que este nosso mundo corresponda efectivamente ao projecto divino: viver como uma família, sob o olhar do seu Criador. Particular manifestação da caridade e critério orientador para a colaboração fraterna de crentes e não-crentes é, sem dúvida, o princípio de subsidiariedade[137], expressão da inalienável liberdade humana. A subsidiariedade é, antes de mais nada, uma ajuda à pessoa, na autonomia dos corpos intermédios. Tal ajuda é oferecida quando a pessoa e os sujeitos sociais não conseguem operar por si sós, e implica sempre finalidades emancipativas, porque favorece a liberdade e a participação enquanto assunção de responsabilidades. A subsidiariedade respeita a dignidade da pessoa, na qual vê um sujeito sempre capaz de dar algo aos outros. Ao reconhecer na reciprocidade a constituição íntima do ser humano, a subsidiariedade é o antídoto mais eficaz contra toda a forma de assistencialismo paternalista. Pode motivar tanto a múltipla articulação dos vários níveis e consequentemente a pluralidade dos sujeitos, como a sua coordenação. Trata-se, pois, de um princípio particularmente idóneo para governar a globalização e orientá-la para um verdadeiro desenvolvimento humano. Para não se gerar um perigoso poder universal de tipo monocrático, o governo da globalização deve ser de tipo subsidiário, articulado segundo vários e diferenciados níveis que colaborem reciprocamente. A globalização tem necessidade, sem dúvida, de autoridade, enquanto põe o problema de um bem comum global a alcançar; mas tal autoridade deverá ser organizada de modo subsidiário e poliárquico[138], seja para não lesar a liberdade, seja para resultar concretamente eficaz.

58. O princípio de subsidiariedade há-de ser mantido estritamente ligado com o princípio de solidariedade e vice-versa, porque, se a subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social, a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que humilha o sujeito necessitado. Esta regra de carácter geral deve ser tida em grande consideração também quando se enfrentam as temáticas referentes às ajudas internacionais destinadas ao desenvolvimento. Estas, independentemente das intenções dos doadores, podem por vezes manter um povo num estado de dependência e até favorecer situações de sujeição local e de exploração dentro do país ajudado. Para serem verdadeiramente tais, as ajudas económicas não devem visar segundos fins. Hão-de ser concedidas envolvendo não só os governos dos países interessados, mas também os agentes económicos locais e os sujeitos da sociedade civil portadores de cultura, incluindo as Igrejas locais. Os programas de ajuda devem assumir sempre mais as características de programas integrados e participados a partir de baixo. A verdade é que o maior recurso a valorizar nos países que são assistidos no desenvolvimento é o recurso humano: este é o autêntico capital que se há-de fazer crescer para assegurar aos países mais pobres um verdadeiro futuro autónomo. Há que recordar também que, no campo económico, a principal ajuda de que têm necessidade os países em vias de desenvolvimento é a de permitir e favorecer a progressiva inserção dos seus produtos nos mercados internacionais, tornando possível assim a sua plena participação na vida económica internacional. Muitas vezes, no passado, as ajudas serviram apenas para criar mercados marginais para os produtos destes países. Isto, frequentemente, fica a dever-se à falta de uma verdadeira procura destes produtos; por isso, é necessário ajudar tais países a melhorar os seus produtos e a adaptá-los melhor à procura. Além disso, alguns temem a concorrência das importações de produtos, normalmente agrícolas, provenientes dos países economicamente pobres; contudo devem-se recordar que, para estes países, a possibilidade de comercializar tais produtos significa muitas vezes garantir a sua sobrevivência a breve e longo prazo. Um comércio internacional justo e equilibrado no campo agrícola pode trazer benefícios a todos, quer do lado da oferta quer do lado da procura. Por este motivo, é preciso não só orientar comercialmente estas produções, mas também estabelecer regras comerciais internacionais que as apoiem e reforçar o financiamento ao desenvolvimento para tornar mais produtivas estas economias.

59. A cooperação no desenvolvimento não deve limitar-se apenas à dimensão económica, mas há-de tornar-se uma grande ocasião de encontro cultural e humano. Se os sujeitos da cooperação dos países economicamente desenvolvidos não têm em conta - como às vezes sucede - a identidade cultural, própria e alheia, feita de valores humanos, não podem instaurar algum diálogo profundo com os cidadãos dos países pobres. Se estes, por sua vez, se abrem indiferentemente e sem discernimento a qualquer proposta cultural, ficam sem condições para assumir a responsabilidade do seu autêntico desenvolvimento[139]. As sociedades tecnologicamente avançadas não devem confundir o próprio desenvolvimento tecnológico com uma suposta superioridade cultural, mas hão-de descobrir em si próprias virtudes, por vezes esquecidas, que as fizeram florescer ao longo da história. As sociedades em crescimento devem permanecer fiéis a tudo o que há de verdadeiramente humano nas suas tradições, evitando de lhes sobrepor automaticamente os mecanismos da civilização tecnológica globalizada. Existem, em todas as culturas, singulares e variadas convergências éticas, expressão de uma mesma natureza humana querida pelo Criador e que a sabedoria ética da humanidade chama lei natural[140]. Esta lei moral universal é um fundamento firme de todo o diálogo cultural, religioso e político e permite que o multiforme pluralismo das várias culturas não se desvie da busca comum da verdade, do bem e de Deus. Por isso, a adesão a esta lei escrita nos corações é o pressuposto de qualquer colaboração social construtiva. Em todas as culturas existem pesos de que libertar-se, sombras a que subtrair-se. A fé cristã, que se encarna nas culturas transcendendo-as, pode ajudá-las a crescer na fraternização e solidariedade universais com benefício para o desenvolvimento comunitário e mundial.

60. Quando se procurarem soluções para a crise económica actual, a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres deve ser considerada como verdadeiro instrumento de criação de riqueza para todos. Que projecto de ajuda pode abrir perspectivas tão significativas de mais valia - mesmo da economia mundial - como o apoio a populações que se encontram ainda numa fase inicial ou pouco avançada do seu processo de desenvolvimento económico? Nesta linha, os Estados economicamente mais desenvolvidos hão-de fazer o possível por destinar quotas maiores do seu produto interno bruto para as ajudas ao desenvolvimento, respeitando os compromissos que, sobre este ponto, foram tomados a nível de comunidade internacional. Poderão fazê-lo inclusivamente revendo as políticas internas de assistência e de solidariedade social, aplicando-lhes o princípio de subsidiariedade e criando sistemas mais integrativos de previdência social, com a participação activa dos sujeitos privados e da sociedade civil. Deste modo, pode-se até melhorar os serviços sociais e de assistência e simultaneamente poupar recursos, eliminando desperdícios e subvenções abusivas, para destinar à solidariedade internacional. Um sistema de solidariedade social melhor comparticipado e organizado, menos burocrático sem ficar menos coordenado, permitiria valorizar muitas energias, hoje adormecidas, em benefício também da solidariedade entre os povos.

Uma possibilidade de ajuda para o desenvolvimento poderia derivar da aplicação eficaz da chamada subsidiariedade fiscal, que permitiria aos cidadãos decidirem a destinação de quotas dos seus impostos pagos ao Estado. Evitando degenerações particularistas, isso pode servir de incentivo para formas de solidariedade social a partir de baixo, com óbvios benefícios também na vertente da solidariedade para o desenvolvimento.

61. Uma solidariedade mais ampla a nível internacional exprime-se, antes de mais nada, continuando a promover, mesmo em condições de crise económica, maior acesso à educação, já que esta é condição essencial para a eficácia da própria cooperação internacional. Com o termo « educação », não se pretende referir apenas à instrução escolar ou à formação para o trabalho - ambas, causas importantes de desenvolvimento - mas à formação completa da pessoa. A este propósito, deve-se sublinhar um aspecto do problema: para educar, é preciso saber quem é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. A progressiva difusão de uma visão relativista desta coloca sérios problemas à educação, sobretudo à educação moral, prejudicando a sua extensão a nível universal. Cedendo a tal relativismo, ficam todos mais pobres, com consequências negativas também sobre a eficácia da ajuda às populações mais carecidas, que não têm necessidade apenas de meios económicos ou técnicos, mas também de métodos e meios pedagógicos que ajudem as pessoas a chegar à sua plena realização humana.

Um exemplo da relevância deste problema temo-lo no fenómeno do turismo internacional[141], que pode constituir notável factor de desenvolvimento económico e de crescimento cultural, mas pode também transformar-se em ocasião de exploração e degradação moral. A situação actual oferece singulares oportunidades para que os aspectos económicos do desenvolvimento, ou seja, os fluxos de dinheiro e o nascimento em sede local de significativas experiências empresariais, cheguem a combinar-se com os aspectos culturais, sendo o educativo o primeiro deles. Há casos onde isso ocorre, mas em muitos outros o turismo internacional é fenómeno deseducativo tanto para o turista como para as populações locais. Com frequência, estas são confrontadas com comportamentos imorais ou mesmo perversos, como no caso do chamado turismo sexual, em que são sacrificados muitos seres humanos, mesmo de tenra idade. É doloroso constatar que isto acontece frequentemente com o aval dos governos locais, com o silêncio dos governos donde provêm os turistas e com a cumplicidade de muitos agentes do sector. Mesmo quando não se chega tão longe, o turismo internacional não raramente é vivido de modo consumista e hedonista, como evasão e com modalidades de organização típicas dos países de proveniência, e assim não se favorece um verdadeiro encontro entre pessoas e culturas. Por isso, é preciso pensar num turismo diverso, capaz de promover verdadeiro conhecimento recíproco, sem tirar espaço ao repouso e ao são divertimento: um turismo deste género há-de ser incrementado, graças também a uma ligação mais estreita com as experiências de cooperação internacional e de empresariado para o desenvolvimento.

62. Outro aspecto merecedor de atenção, ao tratar do desenvolvimento humano integral, é o fenómeno das migrações. É um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade nacional e internacional. Pode-se dizer que estamos perante um fenómeno social de natureza epocal, que requer uma forte e clarividente política de cooperação internacional para ser convenientemente enfrentado. Esta política há-de ser desenvolvida a partir de uma estreita colaboração entre os países donde partem os emigrantes e os países de chegada; há-de ser acompanhada por adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar os diversos sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as exigências e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das sociedades de chegada dos próprios emigrantes. Nenhum país se pode considerar capaz de enfrentar, sozinho, os problemas migratórios do nosso tempo. Todos somos testemunhas da carga de sofrimentos, contrariedades e aspirações que acompanha os fluxos migratórios. Como é sabido, o fenómeno é de gestão complicada; todavia é certo que os trabalhadores estrangeiros, não obstante as dificuldades relacionadas com a sua integração, prestam com o seu trabalho um contributo significativo para o desenvolvimento económico do país de acolhimento e também do país de origem com as remessas monetárias. Obviamente, tais trabalhadores não podem ser considerados como simples mercadoria ou mera força de trabalho; por isso, não devem ser tratados como qualquer outro factor de produção. Todo o imigrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação[142].

63. Ao considerar os problemas do desenvolvimento, não se pode deixar de pôr em evidência o nexo directo entre pobreza e desemprego. Em muitos casos, os pobres são o resultado da violação da dignidade do trabalho humano, seja porque as suas possibilidades são limitadas (desemprego, subemprego), seja porque são desvalorizados « os direitos que dele brotam, especialmente o direito ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador e da sua família »[143]. Por isso, já no dia 1 de Maio de 2000, o meu predecessor João Paulo II, de venerada memória, lançou um apelo, por ocasião do Jubileu dos Trabalhadores, para « uma coligação mundial em favor do trabalho decente »[144], encorajando a estratégia da Organização Internacional do Trabalho. Conferia, assim, uma forte valência moral a este objectivo, enquanto aspiração das famílias em todos os países do mundo. Qual é o significado da palavra « decente » aplicada ao trabalho? Significa um trabalho que, em cada sociedade, seja a expressão da dignidade essencial de todo o homem e mulher: um trabalho escolhido livremente, que associe eficazmente os trabalhadores, homens e mulheres, ao desenvolvimento da sua comunidade; um trabalho que, deste modo, permita aos trabalhadores serem respeitados sem qualquer discriminação; um trabalho que consinta satisfazer as necessidades das famílias e dar a escolaridade aos filhos, sem que estes sejam constrangidos a trabalhar; um trabalho que permita aos trabalhadores organizarem-se livremente e fazerem ouvir a sua voz; um trabalho que deixe espaço suficiente para reencontrar as próprias raízes a nível pessoal familiar e espiritual; um trabalho que assegure aos trabalhadores aposentados uma condição decorosa.

64. Ao reflectir sobre este tema do trabalho, é oportuna uma chamada de atenção também para a urgente necessidade de as organizações sindicais dos trabalhadores - desde sempre encorajadas e apoiadas pela Igreja - se abrirem às novas perspectivas que surgem no âmbito laboral. Superando as limitações próprias dos sindicatos de categoria, as organizações sindicais são chamadas a responsabilizar-se pelos novos problemas das nossas sociedades: refiro-me, por exemplo, ao conjunto de questões que os peritos de ciências sociais identificam no conflito entre pessoa trabalhadora e pessoa consumidora. Sem ter necessariamente de abraçar a tese duma efectiva passagem da centralidade do trabalhador para a do consumidor, parece em todo o caso que também este é um terreno para experiências sindicais inovadoras. O contexto global em que se realiza o trabalho requer igualmente que as organizações sindicais nacionais, fechadas prevalecentemente na defesa dos interesses dos próprios inscritos, volvam o olhar também para os não-inscritos, particularmente para os trabalhadores dos países em vias de desenvolvimento, onde frequentemente os direitos sociais são violados. A defesa destes trabalhadores, promovida com oportunas iniciativas também nos países de origem, permitirá às organizações sindicais porem em evidência as autênticas razões éticas e culturais que lhes consentiram, em contextos sociais e laborais diferentes, ser um factor decisivo para o desenvolvimento. Continua sempre válido o ensinamento da Igreja que propõe a distinção de papéis e funções entre sindicato e política. Esta distinção possibilitará às organizações sindicais individualizarem na sociedade civil o âmbito mais ajustado para a sua acção necessária de defesa e promoção do mundo do trabalho, sobretudo a favor dos trabalhadores explorados e não representados, cuja amarga condição resulta frequentemente ignorada pelo olhar distraído da sociedade.

65. Em seguida, é preciso que as finanças enquanto tais - com estruturas e modalidades de funcionamento necessariamente renovadas depois da sua má utilização que prejudicou a economia real - voltem a ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção de riqueza e o desenvolvimento. Enquanto instrumentos, a economia e as finanças em toda a respectiva extensão, e não apenas em alguns dos seus sectores, devem ser utilizadas de modo ético a fim de criar as condições adequadas para o desenvolvimento do homem e dos povos. É certamente útil, se não mesmo indispensável em certas circunstâncias, dar vida a iniciativas financeiras nas quais predomine a dimensão humanitária. Isto, porém, não deve fazer esquecer que o inteiro sistema financeiro deve ser orientado para dar apoio a um verdadeiro desenvolvimento. Sobretudo, é necessário que não se contraponha o intuito de fazer o bem ao da efectiva capacidade de produzir bens. Os operadores das finanças devem redescobrir o fundamento ético próprio da sua actividade, para não abusarem de instrumentos sofisticados que possam atraiçoar os aforradores. Recta intenção, transparência e busca de bons resultados são compatíveis entre si e não devem jamais ser separados. Se o amor é inteligente, sabe encontrar também os modos para agir segundo uma previdente e justa conveniência, como significativamente indicam muitas experiências no campo do crédito cooperativo.

Tanto uma regulamentação do sector capaz de assegurar os sujeitos mais débeis e impedir escandalosas especulações, como a experimentação de novas formas de financiamento destinadas a favorecer projectos de desenvolvimento, são experiências positivas que hão-de ser aprofundadas e encorajadas, invocando a responsabilidade própria do aforrador. Também a experiência do microfinanciamento, que mergulha as próprias raízes na reflexão e nas obras dos humanistas civis (penso nomeadamente no nascimento dos montepios), há-de ser revigorada e sistematizada, sobretudo nestes tempos em que os problemas financeiros podem tornar-se dramáticos para muitos sectores mais vulneráveis da população, que devem ser tutelados dos riscos de usura ou do desespero. Os sujeitos mais débeis hão-de ser educados para se defender da usura, do mesmo modo que os povos pobres devem ser educados para tirar real vantagem do microcrédito, desencorajando assim as formas de exploração possíveis nestes dois campos. Uma vez que existem novas formas de pobreza também nos países ricos, o microfinanciamento pode proporcionar ajudas concretas para a criação de iniciativas e sectores novos em favor das classes débeis da sociedade mesmo numa fase de possível empobrecimento da própria sociedade.

66. A interligação mundial fez surgir um novo poder político: o dos consumidores e das suas associações. Trata-se de um fenómeno carecido de aprofundamento, com elementos positivos que hão-de ser incentivados e excessos que se devem evitar. É bom que as pessoas ganhem consciência de que a acção de comprar é sempre um acto moral, para além de económico. Por isso, ao lado da responsabilidade social da empresa, há uma específica responsabilidade social do consumidor. Este há-de ser educado[145], sem cessar, para o papel que exerce diariamente e que pode desempenhar no respeito dos princípios morais, sem diminuir a racionalidade económica intrínseca ao acto de comprar. Também no sector das compras - precisamente em tempos como os que se estão experimentando, em que vêem o poder de compra reduzir-se, devendo por conseguinte consumir com maior sobriedade - é necessário percorrer outras estradas como, por exemplo, formas de cooperação para as compras à semelhança das cooperativas de consumo activas a partir do século XIX graças à iniciativa dos católicos. Além disso, é útil favorecer formas novas de comercialização de produtos provenientes de áreas pobres da terra para garantir uma retribuição decente aos produtores, contanto que se trate de um mercado verdadeiramente transparente, que os produtores não usufruam apenas de uma margem maior de lucro mas também de maior formação, profissionalização e tecnologia, e que, enfim, não se incluam em tais experiências de economia visões ideológicas de parte. Um papel mais incisivo dos consumidores, desde que não sejam eles próprios manipulados por associações não verdadeiramente representativas, é desejável como factor de democracia económica.

67. Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso - mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial - a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger [146] e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum[147], comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos[148]. Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que, se isso faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes progressos realizados nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos equilíbrios de poder entre os mais fortes. O desenvolvimento integral dos povos e a colaboração internacional exigem que seja instituído um grau superior de ordenamento internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização [149] e que se dê finalmente actuação a uma ordem social conforme à ordem moral e àquela ligação entre esfera moral e social, entre política e esfera económica e civil que aparece já perspectivada no Estatuto das Nações Unidas.

CAPÍTULO VI

O DESENVOLVIMENTO
DOS POVOS E A TÉCNICA

68. O tema do desenvolvimento dos povos está intimamente ligado com o do desenvolvimento de cada indivíduo. Por sua natureza, a pessoa humana está dinamicamente orientada para o próprio desenvolvimento. Não se trata de um desenvolvimento garantido por mecanismos naturais, porque cada um de nós sabe que é capaz de realizar opções livres e responsáveis; também não se trata de um desenvolvimento à mercê do nosso capricho, enquanto todos sabemos que somos dom e não resultado de autogeração. Em nós, a liberdade é originariamente caracterizada pelo nosso ser e pelos seus limites. Ninguém plasma arbitrariamente a própria consciência, mas todos formam a própria personalidade sobre a base duma natureza que lhes foi dada. Não são apenas as outras pessoas que são indisponíveis; também nós não podemos dispor arbitrariamente de nós mesmos. O desenvolvimento da pessoa degrada-se, se ela pretende ser a única produtora de si mesma. De igual modo, degenera o desenvolvimento dos povos, se a humanidade pensa que se pode recriar valendo-se dos « prodígios » da tecnologia. Analogamente, o progresso económico revela-se fictício e danoso quando se abandona aos « prodígios » das finanças para apoiar incrementos artificiais e consumistas. Perante esta pretensão prometeica, devemos robustecer o amor por uma liberdade não arbitrária, mas tornada verdadeiramente humana pelo reconhecimento do bem que a precede. Com tal objectivo, é preciso que o homem reentre em si mesmo, para reconhecer as normas fundamentais da lei moral natural que Deus inscreveu no seu coração.

69. Hoje, o problema do desenvolvimento está estreitamente unido com o progresso tecnológico, com as suas deslumbrantes aplicações no campo biológico. A técnica - é bom sublinhá-lo - é um dado profundamente humano, ligado à autonomia e à liberdade do homem. Nela exprime-se e confirma-se o domínio do espírito sobre a matéria. O espírito, « tornando-se assim ''mais liberto da escravidão das coisas, pode facilmente elevar-se ao culto e à contemplação do Criador'' »[150]. A técnica permite dominar a matéria, reduzir os riscos, poupar fadigas, melhorar as condições de vida. Dá resposta à própria vocação do trabalho humano: na técnica, considerada como obra do génio pessoal, o homem reconhece-se a si mesmo e realiza a própria humanidade. A técnica é o aspecto objectivo do agir humano[151], cuja origem e razão de ser estão no elemento subjectivo: o homem que actua. Por isso, aquela nunca é simplesmente técnica; mas manifesta o homem e as suas aspirações ao desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de « cultivar e guardar a terra » (Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em que se deve reflectir o amor criador de Deus.

70. O desenvolvimento tecnológico pode induzir à ideia de auto-suficiência da própria técnica, quando o homem, interrogando-se apenas sobre o como, deixa de considerar os muitos porquês pelos quais é impelido a agir. Por isso, a técnica apresenta-se com uma fisionomia ambígua. Nascida da criatividade humana como instrumento da liberdade da pessoa, pode ser entendida como elemento de liberdade absoluta; aquela liberdade que quer prescindir dos limites que as coisas trazem consigo. O processo de globalização poderia substituir as ideologias com a técnica[152], passando esta a ser um poder ideológico que exporia a humanidade ao risco de se ver fechada dentro de um a priori do qual não poderia sair para encontrar o ser e a verdade. Em tal caso, todos nós conheceríamos, avaliaríamos e decidiríamos as situações da nossa vida a partir do interior de um horizonte cultural tecnocrático, ao qual pertenceríamos estruturalmente, sem poder jamais encontrar um sentido que não fosse produzido por nós. Esta visão torna hoje tão forte a mentalidade tecnicista que faz coincidir a verdade com o factível. Mas, quando o único critério da verdade é a eficiência e a utilidade, o desenvolvimento acaba automaticamente negado. De facto, o verdadeiro desenvolvimento não consiste primariamente no fazer; a chave do desenvolvimento é uma inteligência capaz de pensar a técnica e de individualizar o sentido plenamente humano do agir do homem, no horizonte de sentido da pessoa vista na globalidade do seu ser. Mesmo quando actua mediante um satélite ou um comando electrónico à distância, o seu agir continua sempre humano, expressão de uma liberdade responsável. A técnica seduz intensamente o homem, porque o livra das limitações físicas e alarga o seu horizonte. Mas a liberdade humana só o é propriamente quando responde à sedução da técnica com decisões que sejam fruto de responsabilidade moral. Daqui, a urgência de uma formação para a responsabilidade ética no uso da técnica. A partir do fascínio que a técnica exerce sobre o ser humano, deve-se recuperar o verdadeiro sentido da liberdade, que não consiste no inebriamento de uma autonomia total, mas na resposta ao apelo do ser, a começar pelo ser que somos nós mesmos.

71. Esta possibilidade da mentalidade técnica se desviar do seu originário álveo humanista ressalta, hoje, nos fenómenos da tecnicização do desenvolvimento e da paz. Frequentemente o desenvolvimento dos povos é considerado um problema de engenharia financeira, de abertura dos mercados, de redução das tarifas aduaneiras, de investimentos produtivos, de reformas institucionais; em suma, um problema apenas técnico. Todos estes âmbitos são muito importantes, mas não podemos deixar de interrogar-nos por que motivo, até agora, as opções de tipo técnico tenham resultado apenas de modo relativo. A razão há-de ser procurada mais profundamente. O desenvolvimento não será jamais garantido completamente por forças de certo modo automáticas e impessoais, sejam elas as do mercado ou as da política internacional. O desenvolvimento é impossível sem homens rectos, sem operadores económicos e homens políticos que sintam intensamente em suas consciências o apelo do bem comum. São necessárias tanto a preparação profissional como a coerência moral. Quando prevalece a absolutização da técnica, verifica-se uma confusão entre fins e meios: como único critério de acção, o empresário considerará o máximo lucro da produção; o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado das suas descobertas. Deste modo sucede frequentemente que, sob a rede das relações económicas, financeiras ou políticas, persistem incompreensões, contrariedades e injustiças; os fluxos dos conhecimentos técnicos multiplicam-se, mas em benefício dos seus proprietários, enquanto a situação real das populações que vivem sob tais influxos, e quase sempre na sua ignorância, permanece imutável e sem efectivas possibilidades de emancipação.

72. Às vezes, também a paz corre o risco de ser considerada como uma produção técnica, fruto apenas de acordos entre governos ou de iniciativas tendentes a assegurar ajudas económicas eficientes. É verdade que a construção da paz exige um constante tecimento de contactos diplomáticos, intercâmbios económicos e tecnológicos, encontros culturais, acordos sobre projectos comuns, e também a assunção de empenhos compartilhados para conter as ameaças de tipo bélico e cercear à nascença eventuais tentações terroristas. Mas, para que tais esforços possam produzir efeitos duradouros, é necessário que se apoiem sobre valores radicados na verdade da vida. Por outras palavras, é preciso ouvir a voz das populações interessadas e atender à situação delas para interpretar adequadamente os seus anseios. De certo modo, deve-se colocar em continuidade com o esforço anónimo de tantas pessoas decididamente comprometidas a promover o encontro entre os povos e a favorecer o desenvolvimento partindo do amor e da compreensão recíproca. Entre tais pessoas, contam-se também fiéis cristãos, empenhados na grande tarefa de dar ao desenvolvimento e à paz um sentido plenamente humano.

73. Ligada ao desenvolvimento tecnológico está a crescente presença dos meios de comunicação social. Já é quase impossível imaginar a existência da família humana sem eles. No bem e no mal, estão de tal modo encarnados na vida do mundo, que parece verdadeiramente absurda a posição de quantos defendem a sua neutralidade, reivindicando em consequência a sua autonomia relativamente à moral que diria respeito às pessoas. Muitas vezes tais perspectivas, que enfatizam a natureza estritamente técnica dos mass media, de facto favorecem a sua subordinação a cálculos económicos, ao intuito de dominar os mercados e, não último, ao desejo de impor parâmetros culturais em função de projectos de poder ideológico e político. Dada a importância fundamental que têm na determinação de alterações no modo de ler e conhecer a realidade e a própria pessoa humana, torna-se necessária uma atenta reflexão sobre a sua influência principalmente na dimensão ético-cultural da globalização e do desenvolvimento solidário dos povos. Como requerido por uma correcta gestão da globalização e do desenvolvimento, o sentido e a finalidade dos mass media devem ser buscados no fundamento antropológico. Isto quer dizer que os mesmos podem tornar-se ocasião de humanização, não só quando, graças ao desenvolvimento tecnológico, oferecem maiores possibilidades de comunicação e de informação, mas também e sobretudo quando são organizados e orientados à luz de uma imagem da pessoa e do bem comum que traduza os seus valores universais. Os meios de comunicação social não favorecem a liberdade nem globalizam o desenvolvimento e a democracia para todos simplesmente porque multiplicam as possibilidades de interligação e circulação das ideias; para alcançar tais objectivos, é preciso que estejam centrados na promoção da dignidade das pessoas e dos povos, animados expressamente pela caridade e colocados ao serviço da verdade, do bem e da fraternidade natural e sobrenatural. De facto, na humanidade, a liberdade está intrinsecamente ligada a estes valores superiores. Os mass media podem constituir uma válida ajuda para fazer crescer a comunhão da família humana e o ethos das sociedades, quando se tornam instrumentos de promoção da participação universal na busca comum daquilo que é justo.

74. Hoje, um campo primário e crucial da luta cultural entre o absolutismo da técnica e a responsabilidade moral do homem é o da bioética, onde se joga radicalmente a própria possibilidade de um desenvolvimento humano integral. Trata-se de um âmbito delicadíssimo e decisivo, onde irrompe, com dramática intensidade, a questão fundamental de saber se o homem se produziu por si mesmo ou depende de Deus. As descobertas científicas neste campo e as possibilidades de intervenção técnica parecem tão avançadas que impõem a escolha entre estas duas concepções: a da razão aberta à transcendência ou a da razão fechada na imanência. Está-se perante uma opção decisiva. No entanto a concepção racional da tecnologia centrada sobre si mesma apresenta-se como irracional, porque implica uma decidida rejeição do sentido e do valor. Não é por acaso que a posição fechada à transcendência se defronta com a dificuldade de pensar como tenha sido possível do nada ter brotado o ser e do acaso ter nascido a inteligência[153]. Face a estes dramáticos problemas, razão e fé ajudam-se mutuamente; e só conjuntamente salvarão o homem: fascinada pela pura tecnologia, a razão sem a fé está destinada a perder-se na ilusão da própria omnipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do alheamento da vida concreta das pessoas[154].

75. Paulo VI já tinha reconhecido e indicado o horizonte mundial da questão social[155]. Prosseguindo por esta estrada, é preciso afirmar que hoje a questão social se tornou radicalmente antropológica, enquanto toca o próprio modo não só de conceber mas também de manipular a vida, colocada cada vez mais nas mãos do homem pelas biotecnologias. A fecundação in vitro, a pesquisa sobre os embriões, a possibilidade da clonagem e hibridação humana nascem e promovem-se na actual cultura do desencanto total, que pensa ter desvendado todos os mistérios porque já se chegou à raiz da vida. Aqui o absolutismo da técnica encontra a sua máxima expressão. Em tal cultura, a consciência é chamada apenas a registar uma mera possibilidade técnica. Contudo não se podem minimizar os cenários inquietantes para o futuro do homem e os novos e poderosos instrumentos que a « cultura da morte » tem à sua disposição. À difusa e trágica chaga do aborto poder-se-ia juntar no futuro - embora sub-repticiamente já esteja presente in nuce - uma sistemática planificação eugenética dos nascimentos. No extremo oposto, vai abrindo caminho uma mens eutanasica, manifestação não menos abusiva de domínio sobre a vida, que é considerada, em certas condições, como não digna de ser vivida. Por detrás destes cenários encontram-se posições culturais negacionistas da dignidade humana. Por sua vez, estas práticas estão destinadas a alimentar uma concepção material e mecanicista da vida humana. Quem poderá medir os efeitos negativos de tal mentalidade sobre o desenvolvimento? Como poderá alguém maravilhar-se com a indiferença diante de situações humanas de degradação, quando se comporta indiferentemente com o que é humano e com aquilo que não o é? Maravilha a selecção arbitrária do que hoje é proposto como digno de respeito: muitos, prontos a escandalizar-se por coisas marginais, parecem tolerar injustiças inauditas. Enquanto os pobres do mundo batem às portas da opulência, o mundo rico corre o risco de deixar de ouvir tais apelos à sua porta por causa de uma consciência já incapaz de reconhecer o humano. Deus revela o homem ao homem; a razão e a fé colaboram para lhe mostrar o bem, desde que o queira ver; a lei natural, na qual reluz a Razão criadora, indica a grandeza do homem, mas também a sua miséria quando ele desconhece o apelo da verdade moral.

76. Um dos aspectos do espírito tecnicista moderno é palpável na propensão a considerar os problemas e as moções ligados à vida interior somente do ponto de vista psicológico, chegando-se mesmo ao reducionismo neurológico. Assim esvazia-se a interioridade do homem e, progressivamente, vai-se perdendo a noção da consistência ontológica da alma humana, com as profundidades que os Santos souberam pôr a descoberto. O problema do desenvolvimento está estritamente ligado também com a nossa concepção da alma do homem, uma vez que o nosso eu acaba muitas vezes reduzido ao psíquico, e a saúde da alma é confundida com o bem-estar emotivo. Na base, estas reduções têm uma profunda incompreensão da vida espiritual e levam-nos a ignorar que o desenvolvimento do homem e dos povos depende verdadeiramente também da solução dos problemas de carácter espiritual. Além do crescimento material, o desenvolvimento deve incluir o espiritual, porque a pessoa humana é « um ser uno, composto de alma e corpo »[156], nascido do amor criador de Deus e destinado a viver eternamente. O ser humano desenvolve-se quando cresce no espírito, quando a sua alma se conhece a si mesma e apreende as verdades que Deus nela imprimiu em gérmen, quando dialoga consigo mesma e com o seu Criador. Longe de Deus, o homem vive inquieto e está mal. A alienação social e psicológica e as inúmeras neuroses que caracterizam as sociedades opulentas devem-se também a causas de ordem espiritual. Uma sociedade do bem-estar, materialmente desenvolvida mas oprimente para a alma, de per si não está orientada para o autêntico desenvolvimento. As novas formas de escravidão da droga e o desespero em que caem tantas pessoas têm uma explicação não só sociológica e psicológica, mas essencialmente espiritual. O vazio em que a alma se sente abandonada, embora no meio de tantas terapias para o corpo e para o psíquico, gera sofrimento. Não há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo.

77. O absolutismo da técnica tende a produzir uma incapacidade de perceber aquilo que não se explica meramente pela matéria; e, no entanto, todos os homens experimentam os numerosos aspectos imateriais e espirituais da sua vida. Conhecer não é um acto apenas material, porque o conhecido esconde sempre algo que está para além do dado empírico. Todo o nosso conhecimento, mesmo o mais simples, é sempre um pequeno prodígio, porque nunca se explica completamente com os instrumentos materiais que utilizamos. Em cada verdade, há sempre mais do que nós mesmos teríamos esperado; no amor que recebemos, há sempre qualquer coisa que nos surpreende. Não deveremos cessar jamais de maravilhar-nos diante destes prodígios. Em cada conhecimento e em cada acto de amor, a alma do homem experimenta um « extra » que se assemelha muito a um dom recebido, a uma altura para a qual nos sentimos atraídos. Também o desenvolvimento do homem e dos povos se coloca a uma tal altura, se considerarmos a dimensão espiritual que deve necessariamente conotar aquele para que possa ser autêntico. Este requer olhos novos e um coração novo, capaz de superar a visão materialista dos acontecimentos humanos e entrever no desenvolvimento um « mais além » que a técnica não pode dar. Por este caminho, será possível perseguir aquele desenvolvimento humano integral que tem o seu critério orientador na força propulsora da caridade na verdade.

Leia continuação da encíclica de Bento 16 de 2009 (4/4)


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