Folha de S. Paulo


Brasil pode estancar sangria, mas não vai sarar, diz assessor de Marina Silva

Danilo Verpa - 19.fev.2016/Folhapress
SAO PAULO - SP - 19.02.2016 - 9H - MESA 5 - CIFRAS & LETRAS - RECESSAO COM INFLACAO - Os economistas Eduardo Giannetti, Samuel Pessoa, Vinicius Torres Freire com mediacao de Maria Cristina Frias durante o Evento Folha 95 anos. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, PODER) ORG XMIT: EVENTO FOLHA 95 ANOS
O economista Eduardo Giannett durante evento da Folha 95 anos; ele acredita que 'Brasil não vai sarar'

O governo de Michel Temer será capaz de tirar a economia brasileira da UTI, mas a recuperação plena só virá no próximo mandato presidencial, após as eleições de 2018.

Assessor econômico de Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, Eduardo Giannetti, 59, afirma que Temer pode repetir Itamar Franco e preparar o terreno para que um governo eleito possa avançar.

O filósofo rejeita falar em virada à direita com PMDB no poder e chama de irresponsabilidade a condução econômica dos últimos anos do governo PT.

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Folha - O governo Temer pode nos tirar dessa grave situação?

Eduardo Giannetti - Não é exagero dizer que economia brasileira está na UTI.

O primeiro desafio será estancar a hemorragia, a total descrença dos agentes.

O governo Temer pode levar a economia para a convalescença, mas não a uma recuperação plena até o final deste mandato tampão.

Três coisas vão ajudar: a inflação dá sinais de arrefecimento, o que abre espaço para redução dos juros; as contas externas estão ajustadas; e, por conta da recessão, há capacidade ociosa de máquinas e de mão de obra qualificada disponíveis para rápida mobilização.

O que faz diferença e precisa retornar é a confiança do consumidor e do investidor.

Por que não dá tempo de se recuperar até 2018?

Porque um crescimento robusto vai demandar reformas e o acerto das contas públicas que não vão ocorrer da noite para o dia. Por trás dessa crise, havia outras duas que vinham se desenrolando e que se precipitaram com o desastre do governo Dilma.

Um deles é esgotamento do ciclo de expansão fiscal, que começou em 1988 e provocou o aumento da carga tributária em todos os governos desde então. O outro é a falência do presidencialismo de coalizão. O governo Temer, no melhor cenário, não vai tratar com abrangência e ousadia essas duas crises.

Mas vai pelo menos estancar a piora que nos estava levando ao coma. Vai tomar medidas emergenciais do lado fiscal. Não é pouca coisa, é crítico, é fundamental. Mas para colocar o Brasil com horizonte saudável de crescimento e justiça social temos que encarar o esgotamento do ciclo de expansão de 1988.

A formação política do ministério atrapalha o ajuste?

Aparentemente estão cientes da gravidade da crise, coisa que Dilma não parecia ter se dado conta. O Congresso também parece ter se dado conta de que é preciso agir.

Se implementar parte do "Uma ponte para o futuro", Temer prepara o caminho para que o próximo presidente, com a legitimidade do voto, enfrente de maneira profunda os problemas fiscal e político. Ele pode ser para Dilma o que Itamar foi para Collor, ou seja, alguém que prepara o terreno para que o mandato seguinte possa avançar. Espero que com menos trocas de ministros da Fazenda.

A sociedade está convencida de que será necessário rever benefícios com o ajuste?

Seria melhor fazer essa mudança por meio da renovação democrática. Por outro lado, a gravidade da crise cria a consciência de que as coisas precisam mudar.

Quem vai perder com o ajuste?

Se preservar os programas sociais de quem precisa, quem vai sentir é o conjunto da sociedade, que vai recuperar confiança. O bloqueio da discussão sobre a necessidade de ajuste foi a pior coisa da eleição de 2014. Dilma atacava Marina dizendo que ela queria acabar com o pré-sal e eles acabaram com a Petrobras. E isso se passa como esquerda. Eu prefiro usar a palavra irresponsabilidade.

A classe política perdeu credibilidade ao não fazer o ajuste para evitar a atual crise?

O que causou mais dano é o fato que empreiteiros e diretores da Petrobras estão presos e os políticos estão soltos e comandando a transição. Isso não poderia ter acontecido, está completamente errado. Causa dano à credibilidade de todo o sistema. Aí está a fragilidade deste governo, que pode sofrer um grande abalo com as investigações da Lava-Jato. O risco da transição é de ordem política.

O grupo de Marina Silva, do qual o sr. faz parte, vai ajudar?

Não tenho como responder. Na minha opinião, o mais saudável seria a impugnação da chapa Dilma-Temer com novas eleições.

O que derrubou Dilma foi o desastre econômico que ela produziu. Se o país tivesse pleno emprego, crescendo, com inclusão social, não vingaria a tese do impeachment. O que destruiu o projeto de poder do PT foi a calamidade que fizeram na economia.

O Brasil vai para a direita?

Tenho dificuldade com essas terminologias. O descontrole das contas públicas, o aumento da inflação e do desemprego são sinônimo de esquerda? Sanear as contas, recuperar o investimento são de direita? Não entendo esses carimbos, são cacoetes intelectuais brasileiros.

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RAIO-X EDUARDO GIANETTI

IDADE
59 anos

FORMAÇÃO
Graduado em economia e em ciências sociais pela USP e Ph.D. em economia pela Universidade de Cambridge

LIVROS
Autor de livros como "Vícios Privados, Benefícios Públicos?" e "A Ilusão da Alma". Lançará em junho "Trópicos Utópicos ""uma Perspectiva Brasileira da Crise Civilizatória"


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