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Mundo observa experiência britânica com 'salários condignos'

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Brasileiro que ganha o mínimo gasta 162 minutos para comprar um Big Mac
Brasileiro que ganha o mínimo gasta 162 minutos para comprar um Big Mac

Apesar da recente política de valorização do salário mínimo no país, o brasileiro que recebe esse valor mensal ainda gasta 162 minutos para comprar um Big Mac, de acordo com o índice que mede tal relação no mundo todo. O resultado deixa o país próximo aos piores do ranking.

Mesmo países com médias salariais maiores que a brasileira vem adotando políticas para valorizar ainda mais o mínimo, como o caso do Reino Unido.

Os países do reino irão introduzir uma valorização do salário mínimo na próxima semana. Por isso, a média irá cair. O tempo para a compra de um Big Mac, por exemplo, irá cair de 26 minutos para apenas 18.

"A sensação é de que morri e estou no céu", declarou o ministro da Capacitação Profissional britânico em um discurso recente, em um momento no qual ele está se preparando para comandar a mais rápida alta do salário mínimo na história do Reino Unido.

A nova política, que entra em vigor na sexta-feira (1), verá os salários dos trabalhadores menos bem pagos subirem quatro vezes mais rápido que a alta média de salários do país, este ano.

O mundo estará atento. Governos de muitos países desenvolvidos estão recorrendo a políticas de salário mínimo a fim de tentar enfrentar a desigualdade e o crescimento anêmico dos salários.

A estagnação salarial dos últimos anos foi atribuída à ascensão da competição internacional, à perda de força dos processos de negociação coletiva, à desaceleração nos avanços de produtividade e à maneira pela qual a tecnologia "esvaziou" alguns dos postos de trabalho que requeriam capacitação média.

Em resposta, a Alemanha no ano passado introduziu a primeira lei de salário mínimo de sua história; o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe apelou por aumentos de pelo menos 3% ao ano para o salário mínimo de seu país, pelo futuro previsível; e algumas cidades dos Estados Unidos, a exemplo de Seattle, elevaram o salário mínimo local para US$ 15 por hora.

Índice 'big mac' do salário mínimo - Número de minutos de trabalho necessários para comprar um Big Mac

Países em desenvolvimento como a Malásia também estão recorrendo ao salário mínimo como forma de redistribuir o crescimento de maneira mais equitativa, e de encorajar os empregadores a subir na cadeia de valor.

Como conclui Richard Dickens, professor de Economia na Universidade do Sussex, "os salários mínimos nunca foram tão populares. A próxima questão é: até que ponto será possível levá-los?"

Essa é a questão que o novo "salário condigno" nacional adotado pelo Reino Unido - que começa em 7,20 libras por hora e atingirá as nove libras por hora em 2020 - tenta responder.

Nick Boles, o ministro da Capacitação Profissional, afirmou que esse "será um dos maiores aumentos no salário mínimo oficial que qualquer governo ocidental adotou nas últimas décadas".

Mas os conservadores nem sempre tiveram essa opinião sobre o salário mínimo. Na verdade, o partido se opôs à introdução de uma lei de salário mínimo no Reino Unido, em 1998, argumentando que isso destruiria empregos. "Nós trazemos à causa o zelo dos convertidos", admitiu Boles.

Muitos economistas também mudaram de ideia. Os manuais de Economia costumavam afirmar que se o salário fosse aumentado para além do valor criado pelo trabalho em questão para os empregadores, a demanda por mão de obra seria reduzida. Em outras palavras, impor um salário mínimo causaria queda no emprego.

Mas agora os economistas têm opiniões mais nuançadas, em grande parte por conta da experiência de países como o Reino Unido, que até agora vêm sustentando firmes aumentos no salário mínimo sem que isso cause estrago considerável no nível de emprego.

Os sinais iniciais na Alemanha também são positivos. A despeito do nervosismo das empresas sobre a introdução de um mínimo de 8,50 euros por hora, no ano passado, o desemprego continua a cair e registra recorde de baixa.

"Minha visão sobre a história dos salários mínimos é a de que sempre terminamos surpreendidos pela capacidade de aumentá-los sem que isso prejudique as perspectivas de emprego", disse Alan Manning, professor da London School of Economics.

"É claro que chegaria o ponto, caso a ideia seja levada longe demais, em que surgiriam sérios efeitos adversos. Mas não sabemos onde fica esse ponto", ele acrescentou.

O salário mínimo do Reino Unido já é relativamente generoso, pelos padrões internacionais, de acordo com o índice "Big Mac" que o "Financial Times" mantém sobre salários mínimos.

Atualmente de 6,70 libras por hora, o mínimo britânico significa que um trabalhador do país teria de trabalhar 26 minutos para comprar um Big Mac. O resultado é melhor que o dos Estados Unidos (41 minutos), semelhante ao da Irlanda e Alemanha e inferior ao da Austrália e Dinamarca (18 e 16 minutos, respectivamente).

Há outras maneiras de medir o nível do salário mínimo, como por exemplo a maneira pela qual ele se compara ao salário médio nacional. O governo planeja elevar o novo "salário condigno" a 60% do salário médio, em 2020, o que conduziria o Reino Unido do meio da tabela da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) à sua parte mais alta.

O governo escolheu 60% como meta em parte porque alguns poucos países, entre os quais França e Austrália, já sustentam salários mínimos dessa ordem. A França tem desemprego relativamente alto e a Austrália desemprego relativamente baixo. Mas é difícil fazer comparações diretas por conta das diferenças em como os salários são fixados e a quem eles se aplicam.

Em termos de cobertura, dados da OCDE analisados pela Comissão sobre Baixos Salários demonstram que 9% dos trabalhadores do Reino Unido hoje têm salários menos de 5% superiores ao salário mínimo - proporção bem alta se comparada a de nações como Austrália, Estados Unidos e Canadá. Até 2020, sugere a análise da comissão, essa proporção subirá para 18% - o que a tornará substancialmente mais alta que a de
quaisquer outro países da OCDE para o qual haja dados disponíveis.

"Estamos entrando em águas nunca navegadas, e simplesmente não há como saber. De certa forma, é uma experiência social", diz o professor Dickens, que é membro da comissão, responsável por recomendar ao governo o valor do mínimo.

A grande questão é se o Reino Unido conseguirá manter seu forte desempenho no emprego, especialmente para trabalhadores de baixa capacitação, já que empregá-los está a ponto de se tornar mais caro.

Andrew Hilton, diretor do Centro de Estudos da Inovação Financeira, acredita que a nova política será "devastadora" para postos de entrada e de baixa capacitação.

Surgiu debate sobre esse assunto também na Alemanha, recentemente, por conta de preocupações de que o mínimo está alto demais para permitir que os refugiados recentemente chegados ao país encontrem emprego.

Alguns políticos alemães apelaram por exceções à lei do salário mínimo, em benefício dos refugiados de baixa capacitação.

Mas o professor Manning aponta que os modelos estatísticos usados para embasar as experiências quanto ao mínimo em cidades norte-americanas como Seattle são encorajadores. As análises sugerem que os trabalhadores de baixo salário gastarão mais dinheiro na economia local, estimulando a demanda e criando um círculo virtuoso para empregadores e empregados.

Ele diz que o Reino Unido está certo em experimentar - e contesta a ideia de que o país "está tropeçando rumo ao abismo".

"Podemos estar no escuro... mas é mais como se estivéssemos no topo de uma colina arredondada e, se você escorregar um pouco, basta caminhar de volta ao topo", ele disse. "Não se fez coisa alguma de irreversível nesse caso".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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