Depois de longos dez anos de negociação, China e Austrália assinaram um acordo que engloba a esfera comercial, de serviços e de investimento mútuos.
O texto do acordo foi colocado em pauta pelo congresso australiano e, durante a reunião da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico) no mês passado, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang requisitou sua rápida avaliação e entrada em vigor, o que deve ocorrer em janeiro de 2016.
Com o objetivo de elevar ainda mais o nível de integração entre essas duas economias complementares, o acordo prevê uma série de benefícios de acesso a produtos australianos ao mercado chinês.
Já no primeiro ano do acordo, 85% do valor das exportações australianas passarão a ingressar na China com isenção tarifária. A medida reflete os interesses australianos em garantir maior acesso a seus produtos, principalmente em setores como mineração, energia e agricultura.
O acordo é de grande interesse para o Brasil, pois tem potencial para acirrar a competição em certos setores e até mesmo deslocar exportações brasileiras do mercado chinês.
Brasil e Austrália fazem exportações muito similares para a China. Dados de importação chinesa de 2014, o mais recente disponível para uma clara comparação entre as pautas dos países, mostram que 57% do valor das exportações brasileiras para a China competem diretamente com produtos australianos.
Neste momento, é importante analisar os detalhes do acordo e verificar quais produtos sofrerão efeitos e a quais a ameaça não será tão relevante. De início, deve-se salientar que o minério de ferro, principal produto que o Brasil compete com a Austrália na China, não sofrerá efeitos do acordo, pois a tarifa de importação já é nula. O mesmo pode ser dito para o caso do petróleo.
Dada a relevância desses dois produtos para a pauta de exportação e o fato que a Austrália não exporta soja para a China, pode-se indicar que o acordo não trará grandes choques às vendas brasileiras para o mercado chinês.
O sinal amarelo acende para produtos que Brasil e Austrália competem diretamente no mercado chinês e estão sujeitos à tarifa de importação.
No caso do Brasil, isso se refere a 8,8% do valor da pauta de exportação para a China, US$ 4,5 bilhões por ano, que podem vir a sofrer efeitos dado que os produtos australianos, a partir de agora, estarão sujeitos a menores tarifas de importação.
Nesse universo, maior cautela deve ser dada aos produtos australianos que passarão a ter menor preço que os produtos brasileiros na China. Trata-se de 2,3% do valor da pauta de exportação do Brasil para a China, US$ 1,2 bilhão por ano, em áreas como couros e peles, ligas de ferro-nióbio e produtos químicos (polímeros de etileno), que passarão a ter competição mais acirrada.
Por fim, também se deve prestar bastante atenção para o caso da carne bovina. Como ainda não existem dados anuais diretos da exportação do Brasil para a China, dado que o mercado esteve fechado nos últimos anos, fica difícil uma análise concreta.
No entanto, pode-se discutir o que aconteceria se a totalidade das exportações de carne do Brasil para Hong Kong fossem, agora com o mercado aberto, redirecionadas para a China. O acordo prevê uma tarifa de 10,5% no primeiro ano para a carne australiana, enquanto a brasileira continua com 12%.
Nesse cenário, temos potenciais adicionais de US$ 618 milhões por ano em exportações brasileiras para a China, que contará com a oferta de carne australiana mais competitiva em termos de preço que a carne brasileira.
ANDRÉ SOARES é especialista em China e ex-coordenador de pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China.