Folha de S. Paulo


'Maior ameaça à economia são os problemas internos', diz economista

Juca Varella/Folhapress
José Alexandre Scheinkman, economista da Universidade de Columbia, durante palestra
José Alexandre Scheinkman, economista da Universidade de Columbia, durante palestra

A maior ameaça para a economia brasileira são os problemas criados pelo próprio governo, e não um possível aumento de juros nos EUA ou a desaceleração da China. Essa é a avaliação do economista e professor da Universidade Columbia (EUA), José Alexandre Scheinkman.

De acordo com ele, a intervenção do Estado nos últimos anos é responsável pela crise vivida atualmente pelo país, não porque cresceu, mas porque é ruim. Entre os problemas, o brasileiro cita a atuação do BNDES, cujos subsídios seletivos prejudicaram a produtividade e aumentaram o endividamento público.

Scheinkman critica também as dificuldades criadas para o investimento em infraestrutura, incluindo também o atraso na produção das reservas do pré-sal. E diz que é tarde para reduzir a participação obrigatória da Petrobras nos campos, pois nem todos serão aproveitáveis com a queda do petróleo.

O economista defende ainda que o país vive um problema fiscal crônico que, assim como a questão de curto prazo, precisa ser resolvido. Ele participa nesta sexta (6) evento no Insper, em São Paulo, para lançamento da plataforma Por quê?, da BEĨ Editora.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

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AMEAÇA

A grande ameaça da história do Brasil são os nossos próprios problemas. É claro que é mais difícil um mundo em que a China cresça menos, ou o Fed [Federal Reserve, o banco central dos EUA] aumente os juros -aumentando os nossos custos de empréstimos, mas os grandes problemas do Brasil foram causados por nós mesmos.

A questão mais aguda, a desaceleração atual, foi causada por políticas adotadas principalmente a partir de 2010. Desmontou-se o setor elétrico, a capacidade de financiamento da Petrobras foi destruída. O controle do preço da gasolina aumentou o engarrafamento nas cidades e destruiu o setor do etanol.

O governo também fez o BNDES promover uma expansão de crédito que não foi usada para coisas que teriam efeito bom, ou até razoável, mas causou um aumento da dívida pública.

ESTADO

O tamanho do Estado é um problema de segunda ordem em relação a quão ruins são as intervenções dele. Tivemos um aumento na participação do Estado na economia, mas muito pouco reflexo na infraestrutura, por exemplo. E não é que o governo tenha que prover infraestrutura, mas é preciso criar um arcabouço que permita o investimento privado -qualquer país do mundo faz isso. A confusão que o governo fez nas concessões de rodovias e ferrovias e outros atrasou esse processo ainda mais.

PRÉ-SAL

O pré-sal foi atrasado até um ponto em que não é muito claro que ele seja aproveitável, ao menos agora.

E é um pouco tarde para rever a participação obrigatória da Petrobras. Evidentemente haverá poços ou campos que ainda serão aproveitáveis, mesmo com a redução do preço do petróleo, mas é lógico que perdemos uma oportunidade de arrecadar mais, vender mais caro.

AJUSTE FISCAL

O governo superdimensionou sua capacidade promover o ajuste. Teria sido melhor que o governo tivesse uma meta um pouco menos ambiciosa e mais realista -é preciso fazer anúncios realistas, ou as pessoas começam a duvidar deles no futuro.

E se temos que ter um aumento de imposto, seria muito melhor elevar a Cide [contribuição que regula o preço dos combustíveis], e não a CPMF, que é muito ruim sob o ponto de vista do impacto econômico. A única justificativa para a preferência do governo pela CPMF é que a Cide aparece mais rapidamente na medida da inflação. Mas é um imposto que faz muito mais sentido.

PROBLEMA CRÔNICO

O deficit fiscal atual é um problema agudo. Só que, além disso, há um problema fiscal crônico: as despesas do governo crescem mais que o PIB [Produto Interno Bruto] desde o começo da década de 1990, e isso também precisa ser resolvido. Mas reduzir despesas, em qualquer lugar do mundo, é um processo complicado, porque é preciso cortar gastos que beneficiam certas pessoas. São processos que não se faz de um dia para o outro, será necessário um acordo político, e assim mesmo vai haver resistências fortes. E vai demandar um governo que tenha capacidade de encontrar aliados e consiga passar esses ajustes.

PROGRAMAS SOCIAIS

Precisamos ter um sistema em que os projetos do governo sejam constantemente avaliados para saber se estão atendendo às metas. Dizer 'Gastei tantos bilhões ajudando as pessoas a ter uma saúde melhor' não é suficiente, é preciso olhar o impacto disso. A grande vantagem do Bolsa Família é essa: ele não apenas é programa que custa relativamente pouco dinheiro, como é constantemente reavaliado, pela comunidade acadêmica em geral.

PRODUTIVIDADE

A produtividade no Brasil tem crescido muito menos que em outros países, inclusive nas economias avançadas, que o Brasil deveria estar alcançando. E cresceu menos em época de dólar alto e em época de dólar baixo, tem pouco a ver com o câmbio.

Há falta de integração do país com o resto do mundo. Estamos ficando de fora de muitos dos acordos importantes do comércio internacional e fora das cadeias integradas de produção, por causa da dificuldade de se importar. Isso tem um efeito grande na produtividade, porque os insumos que poderiam aumentá-la são muito caros para o empresário.

BNDES

Temos um sistema que privilegiou as empresas que já estão presentes nos setores. Se você olhar a carteira de empréstimos do BNDES, ela é principalmente uma carteira para companhias maiores. O importante não é o governo sentar e escolher dez empresas para baixar o custo de capital, e sim fazer uma política que leve todo mundo a ter capital mais barato.

Quando você tem muitas empresas competindo, você tem mais chance de que uma delas tenha uma boa ideia e roube o mercado das outras, tornando a indústria muito mais produtiva, como acontece nos Estados Unidos.

Um exemplo disso é a telefonia. Hoje, qualquer telefone celular tem sistema da Apple ou do Google. Se o governo americano tivesse decidido que a Motorola seria a campeã nacional, até hoje a gente estava usando aqueles telefones em formato flip [formato flip, com teclado físico e tela que fica escondida se o aparelho for dobrado.

INFRAESTRUTURA

Eu acho que nós perdemos oportunidades. Durante o último governo, quando havia recursos e vontade, criou-se regras muito complicadas para concessões. Mas isso não quer dizer: 'Ninguém está interessado no Brasil, não adianta fazer.' Precisamos fazer, com regras claras que atraiam as pessoas. Não sou dessas pessoas que têm pessimismo exagerado sobre o Brasil, não acho justificado. Há interesse grande em investir em infraestrutura no mundo todo, porque tem rendimento de longo prazo. Com regras boas, as pessoas vão ter interesse em fazer esse tipo de investimento no Brasil.

CLASSIFICAÇÃO DE RISCO

Até 2007, 2008, as agências erraram ao dar classificações muito altas para empresas e até países que não mereciam. E agora eles foram para o outro lado, com medo de repetir os erros anteriores. Então a situação do Brasil sempre fica periclitante. Estamos caindo porque as coisas estão ruins, mas também porque as agências têm ojeriza a repetir a situação de alguns anos.

Não é questão de acreditar nas agências ou não. Há vários fundos que só podem investir em papéis com um mínimo de rating [grau de investimento de pelo menos duas agências]. Mesmo que você não acredite, não tem muita opção: se a nota cai, deve vender esses papéis.

E assim, quando o Brasil ou as empresas brasileiras tentarem pegar dinheiro emprestado, eles vão encontrar uma taxa de juros mais elevada. Essa mecânica não vai mudar.

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  • RAIO-X - JOSÉ A. SCHEINKMAN

Formação:

Doutor em economia pela Universidade de Rochester

Carreira:

É professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA


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