Folha de S. Paulo


Queda de 0,5% no comércio global pode indicar pico da globalização

O comércio mundial registrou sua maior contração desde a crise financeira, no primeiro semestre deste ano, de acordo com dados que devem alimentar o debate sobre a chegada do possível pico da globalização.

O volume do comércio mundial caiu 0,5% no segundo trimestre, ante o trimestre anterior, informou o Serviço de Análise de Política Econômica da Holanda, responsável pelo World Trade Monitor, na terça-feira (26).

Os economistas da instituição também revisaram para menos seus números quanto ao primeiro trimestre, para uma contração de 1,5%, o que faz do primeiro semestre de 2015 o pior para o comércio internacional desde o colapso em 2009 como resultado da crise financeira.

O comércio internacional na verdade se recuperou em 2% em junho, de acordo com o World Trade Monitor, mas os autores do estudo alertam que números mensais tendem a ser altamente voláteis e que o padrão mais revelador está em números para prazos mais longos.

Os números só serviram para confirmar um padrão sombrio para o comércio mundial, nos últimos anos, e o desmonte de uma regra vigente há décadas, de que o comércio internacional cresce em ritmo duas vezes mais alto que a economia mundial, como resultado daquilo que alguns definem como hiperglobalização.

Nos três meses até junho, o comércio mundial cresceu em apenas 1,1% ante o mesmo trimestre em 2014, de acordo com os novos dados holandeses. O Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipa que a economia mundial cresça em 3,5% este ano.

"Tivemos um primeiro semestre miserável em 2015", disse Robert Koopman, economista chefe da Organização Mundial do Comércio (OMC), que havia previsto alta de 3,3% no volume de comércio internacional este ano mas deve revisar essa projeção para menos nas próximas semanas.

Boa parte da desaceleração do comércio internacional este ano é devida à recuperação hesitante da Europa e à desaceleração na economia chinesa, disse Koopman.

O "propulsor de crescimento" da economia mundial vinha funcionando como se estivesse com defeito já há algum tempo, com "o bom crescimento de alguns países compensando o fraco crescimento de outros".

Mas é igualmente claro que uma virada estrutural está acontecendo na economia mundial, ele disse, e isso significa que a desaceleração no comércio mundial provavelmente perdurará por algum tempo.

A tentativa da China de mudar seu padrão, de uma economia dominada pelas exportações para uma economia dominada pelo consumo interno, tem implicações estruturais para o comércio mundial, disse Koopman.

O mesmo vale para a mudança da dinâmica da energia nos Estados Unidos, que estão se tornando exportadores de energia, em termos líquidos, e para o padrão de encurtamento de cadeias mundiais de suprimento pelo setor manufatureiro, como resultado do movimento de "nearshoring" [trazer para mais perto] ou mesmo "reshoring" [trazer de volta ao país] da produção.

"Há um ajuste acontecendo na economia mundial, e o comércio é o lugar no qual esse ajuste se torna bastante visível", disse Koopman.

A desaceleração no comércio mundial levou alguns observadores a proclamar que a globalização havia chegado a um pico e que inovações como a impressão 3D haviam criado ainda mais perturbação.

Mas embora ela possa ter atingido o pico, ainda não existem sinais de que a globalização está recuando, disse Koopman.

Embora o crescimento do comércio tenha se desacelerado para "imitar o crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] mundial", ele se manteve estável como componente da economia mundial, com as exportações de mercadorias respondendo por um firme terço da produção mundial, usando valores de 2005 como referência.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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