Folha de S. Paulo


'O pior da inflação já aconteceu', diz especialista em consumo

O comportamento dos próprios consumidores começa a contribuir para o abrandamento da inflação. O repasse de preços já aconteceu, apesar da resistência dos varejistas em aceitar a escalada dos preços da indústria. Em outras palavras, o pior da inflação já passou.

As ideias são de Luis Arjona, 47, presidente da subsidiária brasileira do Nielsen, instituto que audita o desempenho da indústria e do varejo no consumo de abastecimento do lar em 50 milhões de lares. "As famílias já estão contribuindo para que a inflação não aumente, porque elas estão comprando uma cesta diferente da que compravam antes. E estão comprando em locais onde as cestas são mais básicas", afirma o especialista em consumo.

A inflação, medida pelo IPCA, teve aceleração em maio, e chega a 8,47% em 12 meses, de acordo com dados divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira (10).

É a maior taxa desde dezembro de 2003 (9,3%), patamar que já havia sido atingido no mês anterior.

ABAIXO, LEIA ENTREVISTA COM LUIS ARJONA:

Divulgação
Luis Arjona, presidente da Nielsen no Brasil, acredita que o pior da inflação já passou
Luis Arjona, presidente da Nielsen no Brasil, acredita que o pior da inflação já passou

Folha - Os preços vão subir mais até o fim do ano? Como as indústrias estão reajustando as tabelas?
Luis Arjona - O pior da inflação já aconteceu. Eu não vi os fabricantes com os quais eu converso segurando preço. Pelo contrário: o que fizeram foi ter acelerado o repasse de preços, dentro de uma dinâmica em que o varejista tentava segurar, e eles têm esse embate. As quatro cadeias grandes não aceitam repassar os preços tão facilmente. Mas os fabricantes tentaram acelerar essa dinâmica. Daí a inflação manifestada. Agora já temos patamares de inflação em 0,7%. Imagino que a tendência vai ser essa.

Qual é a diferença da inflação para as classes mais baixas e mais altas?
Preço é uma coisa muito relativa. Se você vai a um supermercado de mais alto nível, acaba comprando uma cesta com valor maior do que quando vai a um mercado mais popular, ainda que compre as mesmas categorias de produtos. Se você compara um mesmo artigo nos dois lugares provavelmente aquele produto não seja necessariamente muito mais caro na loja premium. É que o mix dos produtos do mercado de alto nível incentiva o consumidor a trazer produtos mais diferenciados. Você leva um biscoito mais sofisticado, importado, recheado, coberto de chocolate. Eu entendo que agora as famílias já estão contribuindo para que a inflação não aumente, porque elas estão comprando uma cesta diferente da que compravam antes. E estão comprando em locais onde as cestas são mais básicas. Uma família que vá a um atacadão acaba tendo uma possibilidade de compra mais básica do que quem vai a um supermercado mais exclusivo. O preço em si não é a única variável.

Então, a inflação da classe AB está mais forte que a das classes mais baixas?
Eu não poderia falar historicamente, mas posso lhe dar o exemplo de 2014, quando a inflação foi ligeiramente mais alta para as classes C, D e E. Nós analisamos os gastos das famílias que compõem nosso painel de domicílios, comparamos com base na inflação por setor do IBGE e vimos um impacto ligeiramente maior da inflação sobre as classes C, D e E em comparação com as classes A e B.

Por que isso acontece?
Porque a inflação pode ser mais alta ou mais baixa por classe social, de acordo com o peso de cada gasto no orçamento e com o nível de inflação de cada setor. Por exemplo: se a inflação de produtos de abastecimento do lar, de itens mais básicos, for acima da média, a probabilidade da inflação das classes baixas ser mais alta é evidente (pois o abastecimento do lar tem maior peso no orçamento dessas famílias); por outro lado, se outros gastos como a educação particular, lazer fora do lar e viagens apresentam maior inflação que a média, a tendência é que as classes mais altas sintam mais o reajuste de preços, pois esses gastos têm maior importância no orçamento das famílias com maior renda.

Inflação - Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

É só baixar preço que o consumidor aparece?
Certamente não. Mas em momentos como este, o preço é uma variável que os consumidores estão estudando com muito mais cuidado. Vemos que ele está indo menos frequentemente aos lugares de compras de alimentos, comprando mais em cada ocasião que vai, programando mais a compra e indo a canais onde os preços são mais competitivos porque a cesta também é mais básica.

O setor de bens de consumo é muito baseado em inovação. Mas em um momento difícil como atual, a indústria consegue manter o volume de lançamentos de produtos inovadores?
A inovação no Brasil quase sempre é liderada pelas empresas maiores. Eu não acredito que a taxa de inovação esteja caindo. Não vejo os fabricantes em diferentes categorias jogando a toalha e dizendo que não vai ter retorno. Até porque a inovação é uma das alavancas que estão sendo procuradas para se diferenciar de concorrentes. E inovação não significa só produtos mais caros. São produtos que têm funcionalidade maior e inclusive vantagem de preço. As empresas estão tentando cortar desperdícios e priorizar o que faz diferença para elas. Mas a taxa de inovação, os esforços no ponto de venda, as promoções para donas de casa, na minha opinião, se mantêm nos mesmos patamares.

Qual é a importância do crédito no consumo de abastecimento do lar?
Historicamente os setores de bens duráveis são muito mais voláteis e dependentes de crédito. Os bens de consumo, principalmente os mais básicos, são mais resilientes. Se a economia vai para cima ou para baixo, o patamar se mantém mais estável. Os bens de consumo tipicamente não dependem de crédito.

Mas há momentos em que eles podem cair ou subir nessa dependência de crédito? Como está hoje?
Depende de onde se compra. Dificilmente uma loja de bairro tem algum tipo de crédito formal. Nos supermercados, as pessoas fazem financiamento no cartão. Mas o que estamos observando é a queda disso. As famílias hoje estão escolhendo se endividar menos. O patamar de endividamento já foi maior. Agora está menor, em geral, nos setores de consumo onde nós atuamos. Com a expectativa de desemprego aumentando, as pessoas que estavam empregadas hoje estão escolhendo se endividar menos porque não sabem se vão se manter empregados. Quando perguntamos às famílias sobre o endividamento, nós vemos o patamar indo para baixo. E isso é consistente com a tendência da economia como um todo. A dependência de crédito vai ser menor. Provavelmente, podem até usar para completar a conta do mês, mas esse endividamento tende a cair.

Se os clientes da Nielsen, indústria e varejo, não dependem desse crédito, isso os deixa imunes à crise?
O último setor que sofre é o de bens de consumo. Dentro disso há categorias mais premium e outras menos premium. Estamos observando um fenômeno que aconteceu nos últimos oito ou dez anos, em que o poder aquisitivo da população aumentou e tinha uma tendência de comprar cada vez mais produtos sofisticados. Mas nos últimos meses, as famílias estão em um processo de retrocesso, escolhendo marcas mais baratas. Isso é bastante evidente nas diferentes categorias. Dizer que nosso clientes estão imunes a uma recessão, não. Que são mais resilientes, sim. Que há uma tendência menos premium, também é verdade.

Quantos anos na sua estimativa serão de baixo crescimento?
Espero que só 2015. E ainda sim, que as cestas de consumo se mantenham em crescimento. Recentemente, tive conversas com pessoas que estão estudando mercado de consumo e eles pensam que nossa visão é mais otimista. Espero que 2016 seja um ano de crescimento. Mas certamente não serão os crescimentos que tivemos cinco ou seis anos atrás.

Inflação por setor - Crédito: Editoria de Arte/Folhapress

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RAIO-X

NOME
Luis Arjona, 47

FORMAÇÃO
Administração de empresas pela Universidade de Stanford - Califórnia

CARREIRA
Mckinsey & Company, Bain & Company e Ebay


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